Em declarações à revista VEJA, o presidente Michel Temer, além de se identificar como um reformista, dá a impressão de que o Congresso Nacional é o grande fiador da sua permanência no Palácio do Planalto. Textualmente, ele assim se pronunciou: “Não tenho o apoio do povo nem da imprensa. Se não tivesse o do Congresso, não estaria aqui”. Ou seja, inconscientemente, Temer assume que é impopular e acha que não é bem tratado ou cortejado pelos órgãos de comunicação. Apega-se, então, ao Congresso como tábua de salvação. Sem ele, não estaria mais lá, é o que diz.
Já tivemos oportunidade de afirmar, neste espaço, que Michel Temer é comandante de um regime semiparlamentarista, justamente porque é refém da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para aprovar reformas e medidas que julga necessárias à solução de demandas urgentes. O presidente ressalta que assumiu um governo destroçado e que o apoio do Congresso é fundamental para fazer frente a essa conjuntura negativa. Não se importa de ser chamado de semiparlamentarista. “O resgate do Brasil não seria possível sem o Congresso. Ninguém consegue governar sem o Congresso. É uma ilusão achar que o presidente pode tudo. Se o Congresso não estivesse ao meu lado, não conseguiria concluir o mandato”, enfatizou Michel Temer.
A importância do Congresso para a governabilidade foi atestada por Fernando Henrique Cardoso, que governou pelo voto durante dois mandatos. Ele expõe esse pensamento de forma clara no seu livro “Diários da Presidência”. Fernando Henrique, não se pode esquecer, foi acusado pelos adversários de ter “comprado votos” no Congresso Nacional para a aprovação da emenda da reeleição, o que lhe permitiu, em 98, concorrer a outro mandato e sair triunfante. É difícil mensurar quanto custou o apoio do Congresso Nacional à proposta da reeleição – mas, a julgar pela importância que Michel Temer dá à instituição, deve ter sido muito caro. O custo não se traduz apenas na destinação de recursos oriundos de emendas apresentadas por parlamentares de diferentes Estados. Há outras vantagens, por baixo do pano, que s´]o um presidente hábil pode negociar e obter o aprovo do Parlamento.
Jânio Quadros, que renunciou em 1961, após poucos meses na presidência, assim teria agido porque tentava pressionar o Congresso Nacional a lhe outorgar mais poderes, de tal sorte que ele fosse transformado numa espécie de ditadorzinho. Não logrou êxito na tentativa de emparedar o Congresso para tanto e apelou para a chantagem da renúncia. Os relatos históricos dão conta de que Jânio torcia para que a carta-renúncia, em que fazia menção a forças ocultas, fosse rasgada por algum parlamentar. Nesse caso, a renúncia seria inválida, pois ela tem caráter unilateral e se não tivesse chegado ao conhecimento da Mesa da Câmara, não surtiria efeito. Seja como for, de um modo ou de outro o Congresso é tido como valioso para governantes que estão à frente do poder. Ainda agora, no cipoal de denúncias colhidas pela Operação Lava Jato, há indícios de que um sem número de políticos estão envolvidos em falcatruas. Esse quadro seria suficiente para que o atual Congresso perdesse credibilidade, pois é um Poder contaminado. No entanto, presidentes como Michel Temer atribuem-lhe uma importância extraordinária.
É evidente que o Parlamento reproduz, em última análise, a própria sociedade. É a sociedade quem escolhe os seus representantes pelo voto – e se ela manda políticos corruptos para Brasília, não deixa de ser conivente, ainda que não de forma proposital. O que tem acontecido na história política brasileira, nos períodos democráticos, é que o eleitorado dá um cheque em branco, ilimitado, ao Parlamento. E quando se dá conta, o Parlamento está corrompido, está contaminado, sem credibilidade, portanto, para representar à altura os interesses dos extratos sociais que compõem o organismo social brasileiro. Há diferenças enormes entre Fernando Henrique e Michel Temer – não apenas no plano intelectual, mas na legitimidade da eleição. Bem ou mal, FHC assumiu pelo voto. Michel Temer, ainda que respeitando-se a Constituição, foi investido numa situação excepcional, com o impeachment de Dilma Rousseff, da qual era vice. Em face dessa circunstância é que Temer é muito mais refém do Parlamento do que outros governantes que passaram pelo Palácio do Planalto.
Nonato Guedes