No dia primeiro de abril de 2003, no auditório Dom Helder Câmara, na sede da CNBB em Brasília, o então arcebispo da Paraíba, Dom Marcelo Pinto Carvalheira, que faleceu sábado no Recife e será sepultado hoje em João Pessoa, afirmou a um grupo de parlamentares que era necessário resgatar o interesse do povo, “eu diria até o encantamento”, pela boa política. Dom Marcelo, que era vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, frisou mais: “É preciso resgatar a esperança do povo através de políticos comprometidos com as suas causas”, acrescentando que essa era a reflexão predominante nos segmentos que estavam articulados com a Igreja Católica.
Dom Marcelo, ao situar a trajetória de Cristo, disse que religião e política se confundiam desde tempos antigos, daí resultando “a polêmica provocada por Jesus, que tinha atitude crítica perante os poderosos e era considerado subversivo”. E emendou: “Aliás, os chefes do Poder só conseguiram apanhar Jesus às ocultas, comprando um dos seus discípulos, na traição”. Dom Marcelo, quando bispo de Guarabira e bispo-auxiliar da Arquidiocese da Paraíba, teve uma atuação engajada na denúncia contra grupos de extermínio remanescentes do Esquadrão da Morte e que atuavam na região do brejo paraibano. Também formulou denúncias sobre violências praticadas contra agricultores que lutavam pela sobrevivência nas terras. Nessa cruzada, ele contou com o apoio decidido de Dom José Maria Pires, arcebispo da Paraíba, e de dom Helder Camara, arcebispo de Olinda e Recife.
Admirador confesso de dom Helder Camara, dom Marcelo lembrou que pela metade da década de 70, no tempo da ditadura militar, quando notícias a respeito de dom Helder não podiam ser publicadas pela mídia, dizia-se de fontes certas que o nome do arcebispo de Olinda e Recife tinha sido lançado para receber o Prêmio Nobel da Paz. “Era o candidato de maior prestígio internacional e de um apoio inédito, proveniente de toda parte, mas a ditadura do país se opôs. O governo militar barrou, por via diplomática, a sua escolha e impediu que um filho do Brasil, verdadeiro patriota, recebesse essa honorificência reservada a poucos, aos que no mundo lutavam denodadamente pela justiça e pela paz. E, curiosamente, dom Helder Camara nunca falou contra seus opositores”.
Numa entrevista que concedeu ao jornalista Severino Ramos e foi publicada no extinto jornal O Norte, em 95, dom Marcelo Carvalheira lembrava temas importantes enfocados pelas Campanhas da Fraternidade anualmente promovidas pela CNBB. “A Igreja sabe que não vai conseguir mudar as coisas com uma campanha, mas a atenção conscientiza as pessoas”, raciocinava o prelado. Uma dessas campanhas abordava a questão dos excluídos e o próprio don Helder havia feito palestra na Assembleia Legislativa de Pernambuco em que perguntou: “Vocês estão gritando pelo Nordeste, estão socorrendo os mais pobres?”. Ressaltava, com ênfase, que assim agia por um dever de cidadania. “Não se pode falar em cidadania neste país quando existem 42 milhões de famintos no Brasil. O progresso só quer fortalecer a moeda e esquece a criatura humana. Não se pode crescer economicamente, segundo o pensamento da Igreja, mas sem integrar as camadas populares”, adiantava.
Na manhã desta segunda-feira, um público numeroso na cidade de Guarabira despediu-se de Dom Marcelo Carvalheira, numa missa concelebrada por vários religiosos na Igreja Catedral Nossa Senhora da Luz. O corpo passou a ser transladado, então, para João Pessoa, a fim de receber as homenagens dos que o tiveram como Arcebispo na Catedral. Dom Marcelo preocupava-se com os desafios da humanidade a partir do uso do instrumental tecnológico. Dizia que alguns problemas seriam resolvidos com o avanço tecnológico mas que outros seriam agravados porque a tecnologia não estava regida pela ética. “E a ética é fundamental para a existência da pessoa humana”.
Nonato Guedes