Incentivado por Severino Ramos, que era presidente da Associação Paraibana de Imprensa, coube-me trazer a João Pessoa, na campanha eleitoral de 1982, o jornalista Carlos Chagas, então chefe da sucursal de O Estado de S. Paulo em Brasília e comentarista político. Mineiro de Três Pontas, Carlos Chagas faleceu ontem e será sepultado hoje na Capital federal. Embora tenha sido secretário de Imprensa no governo de Costa e Silva, em plena ditadura militar, Chagas foi um dos “moicanos” da imprensa na resistência ao arbítrio. Ele foi testemunha do sofrimento de Costa e Silva que queria revogar o AI-5 e não desejava passar à história como um ditador mas teve os seus passos bloqueados pela trombose que o acometeu e pela ação nefasta da linha dura que já tomava conta do poder, operando o golpe dentro do golpe.
É curioso o relato de como Chagas ascendeu à área de Comunicação num governo militar. Ele conta em livro que era editor político de O Globo quando foi chamado para uma conversa com Costa e Silva. O marechal-presidente foi direto ao assunto e disse estar disposto a promover uma ampla abertura política por conta da História. Afinal, não tinha chegado à presidência para promover retrocessos, senão para dar passos adiantes. Não tivera alternativa meses atrás, mas agora estava na hora de revogar a exceção, refletida no AI-5. Chagas já mensurava a dimensão do furo que publicaria em O Globo quando foi atalhado pelo presidente: “Mas você não vai publicar nada disso, por enquanto”. Sua decepção ficou patente mas Costa e Silva explicou que o chamara porque, naquela tentativa de abertura, decidira dar o merecido descanso a Heráclio Salles, que seria nomeado ministro do Tribunal de Contas do Distrito Federal. Precisava de um novo secretário de Imprensa, um jornalista que fosse conhecido pelos políticos, no qual eles acreditassem quando, passo a passo, a presidência da República divulgasse informações sobre a volta do país ao regime constitucional.
Chagas relata que recebeu o convite como um soco no estômago. Afinal, tratava-se de trabalhar para um governo que havia optado pela ditadura, mesmo diante da reviravolta que seria a programada extinção do AI-5. Além disso, aceitar o convite implicaria mudar de vida: morar em Brasília, passar para o outro lado do muro, ser incompreendido e enfrentar obstáculos quase definitivos, uma vez terminada a função. Depois de consultas aos mais próximos, acabou aceitando. Mas logo deparou-se com obstáculos intransponíveis ao exercício de informar corretamente a opinião pública. A linha dura começava a mostrar suas garras no regime e para piorar as coisas Costa e Silva foi acometido de uma trombose, que o paralisou parcialmente. Fez sucessivas tentativas para movimentar os braços e mãos. Queria porque queria revogar o famigerado Ato Institucional número cinco, mas o corpo já não obedecia mais a qualquer comando. Costa e Silva foi praticamente defenestrado do cargo.
Em lugar do presidente, assumiu uma Junta Militar de que fazia parte o general paraibano Aurélio de Lyra Tavares e que foi cognominada por Ulysses Guimarães como “Os Três Patetas”. Foi essa Junta que materializou o endurecimento do regime em todos os canais. Com Costa e Silva já fora de combate, os radicais do sistema abocanharam o poder. A eles o general-presidente Ernesto Geisel iria se referir depois como “bolsões sinceros mas radicais de revolucionários”. Somente o próprio Geisel, com a autoridade prussiana que enfeixava, logrou conter os impulsos da linha dura. E mesmo assim agiu somente depois que occorreram duas mortes em prisões sob a responsabilidade da ditadura, em São Paulo – a do jornalista Vladimir Herzog e a do operário Manoek Fiel Filho, ambos barbaramente torturados e trucidados. Carlos Chagas reproduziu esses episódios em livros como “113 Dias de Angústia”, “Resistir é preciso” e “Guerra nas estrelas”. Também escreveu um ensaio em forma de livro, intitulado “Bastidores de um drama acontecido há 30 anos”, que na Paraíba foi republicado por A UNIÃO, numa iniciativa do superintendente Nelson Coelho.
Carlos Chagas foi secretário de Imprensa de Costa e Silva, Carlos Castello Branco, o Castellinho, foi secretário de Imprensa de Jânio Quadros, o renunciante. Nada que desabonasse a conduta dos dois profissionais, que souberam voltar ao batente na hora certa e daí em diante a se dedicar à literatura jornalística, fazendo História, de posse de informações privilegiadas que possuíam. A filha de Chagas, Helena, foi secretária de Imprensa da presidente Dilma Rousseff – um exemplo do ecletismo ou da democracia no clã liderado pelo combativo jornalista mineiro. Ficam as lembranças e as saudades de um período em que se fazia jornalismo de verdade. E Carlos Chagas tem lugar de honra nesse panteão.
Nonato Guedes