Não deixa de ser preocupante a decisão do Supremo Tribunal Federal determinando a soltura de José Dirceu e outros dois implicados em escândalos que chegaram à órbita da Lava-Jato. O entendimento da Corte foi o de que a prisão preventiva estava longa demais. Em tese, o juiz Sérgio Moro enfrentou sua maior derrota ao longo dos três anos em que a Lava-Jato vinha se arrastando sob aplausos de setores conscientes da sociedade indignados com a onda de corrupção no país. Falta ser respondida objetivamente a grande indagação: é o começo do fim da operação que serviu de modelo para especialistas em combate ao crime em várias partes do mundo?
Diz o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, que a chamada República de Curitiba, onde pontificam os procuradores que desbarataram conexões da Lava-Jato, passou dos limites e, por isso, foram concedidos os habeas-corpus. Gilmar não goza, infelizmente, de grande conceito em segmentos médios da opinião pública e demonstra um certo receio quanto a aprofundamento de investigações. Isto conduz a uma outra perquirição: há ministros do Supremo envolvidos em falcatruas, negociatas ou propinas? Nesse caso, está em curso uma ofensiva para desmontar a operação que foi tão aplaudida?
A estranheza tem lá suas justificativas. Desde a deflagração da Lava-Jato em março de 2014, como situou a revista Veja, o Supremo vinha chancelando a atuação do juiz Sergio Moro nas questões mais cruciais para o andamento das investigações. Foi a sintonia entre a primeira e a mais alta instância do Judiciário que possibilitou às autoridades descobrir detalhes do monumental esquema de corrupção, englobando financiamento clandestino de campanhas eleitorais e compra de medidas provisórias. No entendimento de Veja, a decisão do Supremo nos últimos dias ou horas não sinaliza o fim da Lava-Jato, mas, sim, uma adequação da investigação ao que determina a lei. É o que diz o senador Cássio Cunha Lima em relação ao senador Renan Calheiros, que está querendo obstacular aprovação de reformas no Congresso: “Renan pode muito, mas não pode tudo”.
É possível que tenham ocorrido excessos no andamento da Lava-Jato, como é certo que ainda estão ocorrendo omissões do ponto de vista delitivo. Nada de esdrúxulo ou impertinente. Afinal de contas, a Lava-Jato é um experimento inédito na tradição política-judicial brasileira. O ministro Mendes, inclusive, demonstra má vontade para com os procuradores de Curitiba, atribuindo-lhes arroubos juvenis. Isto já foi feito até pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mendes poderia ser inquinado de anacronismo ou conservadorismo nas posições que toma. Mas o que está em jogo não é um conflito etário. Não é um choque de gerações que modela a Lava-Jato. O sujeito pode ser novíssimo – e corrupto, se tiver pendores para tanto. Isto faz lembrar a polêmica suscitada por Maluf com Tancredo Neves, chamando-o de “velho” no embate de 85 no Colégio Eleitoral indireto, em que o mineiro ganhou. “Nero, com vinte e poucos anos, tocou fogo em Roma. Adenauer, com 94, recuperou a Alemanha”, reagiu Tancredo. Ulysses Guimarães, quando candidato a presidente, nas diretas de 89, foi tratado como velho, gagá e esclerosado por adversários. Reagiu de forma magistral: “Velho, sim; velhaco, não”.
É factível que a Lava-Jato precise de ajustes, passado o afã inicial que lhe deu régua e compasso para ir longe. O que não é factível é que a operação seja desmontada ou esvaziada por cumplicidade de meia dúzia de figurões da República que temem ser alcançados pelo guante da lei, numa hora em que se prenunciava uma das delações mais reveladoras – a de Antonio Palocci. Rezemos para que o desfecho da operação não seja um ponto fora da curva.
Nonato Guedes