A trapalhada em que o presidente Michel Temer se meteu, recebendo altas horas da noite em palácio um empresário fora-da-lei que vazou inconfidências sobre manobras para “comprar” o silêncio de personagens como o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e aparentemente recebeu o aval do mandatário para ir em frente nessa empreitada delituosa, é mais uma a rechear o folclore de casos aparentemente surrealistas que ocorrem à sombra do poder em Brasília. O escândalo da “antena parabólica”, envolvendo o ministro da Fazenda do primeiro governo de Fernando Henrique, o embaixador Rubens Ricupero, ainda hoje é motivo de galhofa nos círculos influentes da Capital federal.
No intervalo de duas gravações de entrevistas, uma para o Jornal Nacional, outra para o Jornal da Globo, em meados de 1994, Rubens Ricupero comentou “em off”” com o jornalista Carlos Monforte, seu cunhado, esquemas que estariam em curso para manter a estabilidade econômica a qualquer preço, o que levaria o governo a se valer até de expedientes não-republicanos. Ricupero fez as observações antes de entrar ao vivo no Jornal Nacional da Globo e e o áudio, captado por antenas parabólicas, criou uma “saia justa” para FHC. O Partido dos Trabalhadores, que dava duro combate para vencer as eleições, com Lula, seu eterno candidato, tentou tirar proveito do “imbróglio” insinuando que o governo ocultava informações da máxima relevância de interesse público.
O caso estava fadado a ter maiores desdobramentos diante da persistência com que foi explorado pela mídia e pelos partidos de oposição, mas Fernando Henrique Cardoso teve sorte – atributo que, segundo Napoleão, é essencial para quem quer ser líder ou estadista. Nas eleições presidenciais, mesmo com a exploração sobre o caso do vazamento de revelações comprometedoras da parte de Ricupero, Fernando Henrique venceu Luiz Inácio Lula da Silva no primeiro turno. Posteriormente foi a vez da candidata Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores, patinar em declarações nada republicanas. Ela foi pilhada afirmando que, no governo, “o que é certo a gente mostra, o que é errado a gente esconde”. Líderes petistas de projeção, a começar por Lula, imaginaram que com a publicação dessa assertiva antiética, a vaca iria para o brejo nas urnas e Dilma perderia a chance de conquistar a presidência da República. Dilma, por algum desses milagres que só ocorrem na política brasileira, saiu incólume da desastrada afirmação e com a vitória nas mãos. Só perdeu os votos quando sofreu um processo de impeachment que investigava outras irregularidades de teor explosivo mais elevado.
Repórteres que fazem cobertura política em Brasília afiançam que a Capital Federal é pródiga na fabricação de escândalos – e, também, de factóides. Nem sempre se consegue manter a imprensa longe dos fatos, ainda que a verdade não venha à tona necessariamente em períodos de campanha eleitoral. Foi o que se deu, por exemplo, com a notícia bombástica que o então presidente Fernando Collor recebeu, em seu gabinete, de que dois ministros – um deles casado, Bernardo Cabral, da Justiça, e Zélia Cardoso de Melo, da Economia, estavam tendo um romance e foram vistos e fotografados na noite brasiliense dançando de rosto colado o bolero “Bésame Mucho”. A reação de Collor quando soube do “affair”? “Mas isto é nitroglicerina pura”, expressou ele, desconsolado, ao ouvir a narrativa de Bernardo e de Zélia. Collor estava inocente. “Nitroglicerina pura”, mesmo, foi a denúncia do esquema PC Farias, envolvendo seu ex-tesoureiro de campanha. E que foi o ponto de partida para a descoberta de outras irregularidades que culminaram com o impeachment de Collor em 92 e com a suspensão da sua elegibilidade por oito anos. Não é que Brasília seja uma cidade maldita. O poder é que é traiçoeiro, conforme dizem os especialistas e outras figuras versadas no seu manejo ou exercício. Temer pode ser a próxima vítima por ter sido previamente avisado de um esquema de falcatruas e ter até incentivado o empresário-delator que seguisse em frente com a empreitada. Os simbolismos têm mais força do que os fatos propriamente ditos, diz um experimentado jornalista que atua na Capital Federal.
Por Nonato Guedes