Se havia alguma dúvida sobre pendores antidemocráticos do presidente Michel Temer foi desfeita com a decisão, ontem, da base de apoio ao governo na Câmara Federal de barrar a votação da Proposta de Emenda à Constituição fixando eleições diretas no caso do afastamento do peemedebista. Poderão alegar que Temer não seria candidato, logo, não teria nada a temer. De fato, ele não poderia concorrer, mas já deu mostras reiteradas de que nem corteja a popularidade, como afirmou, nem morre de amores pelo julgamento popular.
Temer adora zonas de conforto – e uma delas vinha sendo alimentada sem maiores traumas desde que ele conspirou para o impeachment de Dilma Rousseff: aquela zona de turbulência que não respingava diretamente na figura do presidente, mas se espalhava entre senadores, deputados, governadores, vice-governadores, prefeitos e ministros. Estava tudo bem nos planos de Temer de se manter até o fim do mandato, até que apareceu o Joesley Batista, da JBS, delatando tudo e “deletando” tudo, também, ou seja, sepultando esperanças e ilusões acalentadas quanto a uma razoável tranquilidade para o governo ir tocando o feijão com arroz até que o calendário fosse cumprido.
A PEC fixando eleições diretas, de autoria do deputado Miro Teixeira, do Rio de Janeiro, seria votada na Comissão de Constituição e Justiça, como primeiro passo da tramitação. A primeira manobra dos governistas foi a de não registrar quorum suficiente na referida Comissão. Com isso, a sessão teve início com quase uma hora de atraso. Na sequência, os fiéis discípulos do poder de plantão no Palácio do Planalto apresentaram requerimentos protelatórios com o intuito de inviabilizar a votação, ontem, a todo o custo. Foi o que acabou acontecendo em meio a muito bate-boca entre os deputados. Não sejamos ingênuos a ponto de achar que não havia o dedo de Temer nas tais medidas protelatórias.
Só havia o dedo do presidente da República, no âmbito da CCJ, no sentido de procrastinar discussão e possível votação de proposta tratando de convocação imediata de eleições diretas. Fez-se uso abundante de um instrumento bastante conhecido na seara política-jurídica – a chicana regimental. Implica numa discussão aleatória, sem sentido ou significado, que, naturalmente, não leva a lugar algum, senão a um paradeiro pretendido pelos mentores da trama – a procrastinação. Ou, para sermos mais diretos e explícitos, o veto à tramitação da PEC de Miro Teixeira, que poderia ser uma luz no fim do túnel em que o Brasil voltou a mergulhar passado pouco tempo do impeachment de Dilma Rousseff. “Houve golpe”, protestaram deputados que não rezam pela cartilha do governo de Michel Temer. E, sinceramente, é difícil contestar esse argumento. A chicana é, em si mesmo, um golpe, um casuísmo, uma manobra, de cunho antidemocrático.
É lamentável que Michel Temer esteja tisnando a sua biografia, que poderia ser melhor construída se houvesse coerência ou firmeza de atitudes e convicções de sua parte. Já se sabia que o governo de Temer é medíocre e que nada de excepcional legará ao país na esteira do impeachment de Dilma e seus companheiros aloprados do PT. Confirma-se, agora, que o presidente Temer, além de promover um governo medíocre, igualmente envolvido em casos notórios de corrupção, tem ojeriza, parece que até mesmo pavor catatônico de eleições diretas. Em que a voz das ruas assusta tanto esse homem, quando se fala na perspectiva de um julgamento, ou de um plebiscito? Temer é isso mesmo. O que estava faltando ao país era acordar das falsas ilusões cultivadas. Evidente que o presidente não pode tudo. Mas naquilo que pode vai conspirando contra a democracia. Triste epílogo do impeachment, se é o que querem saber.
Nonato Guedes