O Tribunal Superior Eleitoral perdeu a oportunidade de fazer história e de entrar para a História, na conclusão, ontem, do julgamento de atos ilícitos atribuídos à chapa Dilma Rousseff-Michel Temer, vitoriosa na campanha de 2014. Mesmo com provas suficientes, coletadas criteriosamente pelo relator, o corajoso ministro paraibano Herman Benjamin, para que fosse operada a cassação da chapa, deu-se a absolvição, num prélio acirrado, prevalecendo o voto de minerva do presidente Gilmar Mendes. O surrealismo consistiu exatamente em absolver contra as evidências de crime. Ou seja, a Corte sai como cúmplice de abuso de poder político e econômico, o escopo da ação originalmente movida pelo PSDB. Um duro golpe na credibilidade da instituição – se é que ela tinha essa argamassa perante a opinião pública.
Ressalve-se, é claro, as exceções – casos dos ministros Luiz Fux e Rosa Weber, bem como do paraibano Herman Benjamin, que foi firme e intimorato contra todas as pressões para adulterar o seu raciocínio. Benjamin, nas diligências que embasaram o seu relatório, foi contundente ao provar que a campanha da chapa vitoriosa foi abastecida por recursos desviados da Petrobras. Um dos protagonistas do ridículo na sessão de ontem foi o ministro Napoleão Nunes Maia Filho com seu argumento de que abuso de poder político tem em toda a reeleição. Com isto, deu munição para os que pregam a extinção da Justiça Eleitoral, convertida em cabide de privilégios e de sentenças que, como diria um magistrado do interior mineiro, são “agradativas” aos que estão à frente do poder. Equivale dizer, aos poderosos de plantão – especificamente Michel Temer, beneficiado com o impeachment de Dilma Rousseff.
Há coisas que só acontecem no Brasil, como a fortalecer axiomas tais como o de que aqui, em se plantando, tudo dá – sobretudo corrupção. É inacreditável que provas fundamentadas sejam desprezadas ou olimpicamente ignoradas num julgamento de vida ou de morte, da mesma forma como soa fora de tom a não inclusão de depoimentos de delatores da Odebrecht como provas, argumento utilizado pelos ministros que defenderam a absolvição de Dilma e Temer. O ministro Tarcisio Vieira fez sua estreia na mídia invocando um raciocínio que é de ruborizar frades beneditinos: “não há prova segura e cabal de que as doações à campanha de 2014 tenham a ver com o esquema”. Pior: obtemperou que não cabia às agremiações conferir a origem do dinheiro que recebem. Das duas uma: ou o ministro quis insultar a inteligência alheia ou, então, quis fazer papel de humorista, um talhe que não cai bem na sua personalidade, de resto obtusa quanto a argumentação.
Há integrantes do Poder Judiciário no Brasil que não entenderam, ainda, a evolução do processo político-eleitoral. O que o TSE fez ontem foi legalizar o caixa dois e sancionar a validade das relações promíscuas entre partidos e candidatos no sistema que vigora em nosso solo. Hilariante a manifestação do ministro Gilmar Mendes, aliado de primeira ordem do presidente Michel Temer, de que a absolvição da chapa era imprescindível para garantir a estabilidade política do país. A que hipótese se referia o Sr. Mendes? Teme, por acaso, um golpe militar, uma nova quartelada no país, no vácuo de dois processos consecutivos de impeachment? Ou age por comodismo para não expor as cicatrizes profundas do sistema político? O Sr. Mendes faria melhor se estivesse em casa, de pijama, dando milho aos pombos, ao invés de produzir sandices no plenário do Tribunal Superior Eleitoral.
Enfim, tudo acabou em pizza, como se suspeitava intimamente. Não sei se é muito forte a expressão “ao vencedor, as batatas; e eu acrescento; as quentes”. A primeira parte é da lavra de Machado de Assis. A segunda parte foi enxertada, em instante de desabafo, no ano de 1978 pelo ínclito senador paraibano Antônio Mariz, ao reagir à sua derrota na convenção da Arena para Tarcísio Burity na escolha indireta do governador da Paraíba. Naqueles tempos, as coisas eram assim – para fazermos uma analogia com a série que a TV Globo está exibindo. Pensou-se que hoje as coisas seriam de outra forma. Nós é que somos desinformados, ingênuos ou equivocados, o que nos confere absoluta inferioridade perante a sapiência de um…Gilmar Mendes. Ó tempora, ó mores!
Nonato Guedes