Numa peça antológica, um discurso intitulado “Agredida e insultada foi a Paraíba”, o senador Antônio Mariz saiu em defesa de Humberto Lucena na sessão do dia 14 de setembro de 94 protestando contra a rejeição do registro da candidatura dele à reeleição e acusando o Tribunal Superior Eleitoral de acobertar corruptos e punir os homens de bem. Mariz começou seu libelo dizendo que não concederia apartes nos termos regimentais porque estava decidido a assumir solitariamente a responsabilidade pelas palavras que iria pronunciar. Leu, então, um manifesto que distribuiu na Paraíba sobre o julgamento do senador Humberto Lucena.
– A Paraíba acaba de sofrer a mais dura e cruel das injustiças. Não é Humberto Lucena a vítima. A vítima é a Paraíba. A decisão do TSE é o retrato moral das elites brasileiras. No Brasil os homens de bem devem ser cassados e presos. Esse Tribunal é o mesmo que garantiu aos corruptos o direito de candidatar-se. É o mesmo que reformou as decisões dos Tribunais Regionais dos Estados. Estes negaram aos que tiveram suas contas rejeitadas pelos Tribunais de Contas e pelas Assembleias, que foram condenados por corrupção e roubo dos cofres públicos. A esses, os Tribunais dos Estados negaram o direito de ser candidatos. Mas o TSE, o Tribunal Federal, mudou essas decisões. Disse que sim, que os ladrões carimbados pelos tribunais estaduais podem ser candidatos. E são – verberou Mariz, mencionando os casos do ex-governador Wilson Braga e da ex-deputada Lúcia Braga que tiveram contas reprovadas e puderam ser candidatos, ainda que derrotados nas urnas.
No contraponto, Mariz enfatizou: “Já Humberto Lucena não pode ser candidato porque fez calendários e os mandou aos seus eleitores na Paraíba, Isso agora é crime. Durante 10, 20, 30 anos, sempre deputados e senadores de todo o Brasil fizeram calendários pagos pelo Congresso e mandaram aos seus eleitores. Nunca, em qualquer tempo, nenhum promotor público, nenhum procurador da República, nenhum procurador da Justiça Eleitoral, nenhum membro do Ministério Público estadual ou federal, nenhum juiz, nenhum Tribunal, nunca nenhum deles achou isso errado ou ilegal. Todos os senadores e deputados nos últimos anos fizeram cartões de Natal ou calendários e mandaram para seus eleitores. Todos os parlamentares, de todos os partidos, de todos os Estados do Brasil. Todos, sem exceção”. Mariz prosseguiu dizendo que o TSE que negou a Humberto o direito de ser candidato foi o mesmo que até então não havia julgado o ex-presidente Fernando Collor de Melo, apeado do cargo em 92 no bojo de um processo de impeachment do qual Mariz foi relator. “Faz dois anos que o povo brasileiro expulsou Collor da presidência da República. Fui o relator do processo de impeachment do presidente no Senado Federal. Meu parecer condenou Collor. No processo de impeachment o relator é o juiz que instrui a prova e formula a sentença que será votada por todos os senadores. Tenho o orgulho de dizer que ninguém nesse tempo, nem da oposição nem do governo, teve a ousadia de ir ao meu gabinete para pedir que eu votasse a favor ou contra o presidente. Todos sabiam, pela história dos meus atos e posições no Congresso, que a minha decisão seria baseada nas provas contidas nos autos do processo. Se Collor fosse inocente, juro que teria declarado sua inocência, ainda que o Brasil desabasse sobre mim. Mas ele era culpado e declarei sua culpa. Meu parecer foi aprovado e decretado o impeachment. O Senado, em nome do povo brasileiro, cumpriu seu dever” – historiou Mariz.
O ex-senador repetiu que, passados dois anos, Collor não havia ainda sido julgado pela Justiça brasileira nos crimes comuns da competência do Poder Judiciário e continuava solto. “Já Humberto, que fez calendários em novembro do ano passado, quando ainda não era candidato a nada, nem havia campanha eleitoral deflagrada, não pode ser candidato. A Paraíba deve perguntar: por que só Humberto é culpado? A resposta é clara. Porque Humberto, um paraibano, um nordestino, teve a ousadia de presidirr um dos Poderes da República. Isso, as elites brasileiras, concentradas no sul do Brasil, não admitem. Os jornais do sul, as grandes revistas, todos os canais de televisão sediados no Rio e em São Paulo juntaram-se, acumpliciaram-se, formaram a quadrilha dos interesses nacionais e internacionais para exigir do TSE a cassação do registro de Humberto, do paraibano, do nordestino, do pau-de-arara da Paraíba, como eles nos chamam com desprezo, porque teve a ousadia e grandeza de presidir um dos Poderes da República” – salientou Mariz.
E finalizou: “O TSE, retrato e imagem das elites brasileiras, pusilânime, torpe, rendeu-se ao fascínio dos holofotes da televisão, armados em plena sessão do tribunal, como se aquilo fosse um circo e não a mais alta Corte de Justiça do país. O TSE rendeu-se à pressão dos interesses escusos, dos separatistas que pregam a divisão, a fragmentação do Brasil, para expulsar-nos como párias da nacionalidade – nacionalidade que é mais nossa que deles. O TSE rendeu-se à cruel barbaridade desses interesses, cassou o registro de Humberto. Um único juiz, o ministro Diniz de Andrade, teve a altivez, a hombridade, a coragem moral de ir contra tudo e contra todos, sustentar a lei e proclamar a inocência de Humberto. Esse homem honra a Justiça brasileira e resgata a credibilidade do Poder Judiciário em nosso país (…) Convoco a Paraíba a manifestar-se publicamente contra essa decisão imoral do TSE. Não foi Humberto a vítima dessa violência. Agredida e insultada foi a Paraíba. As elites brasileiras querem fazer do Nordeste a senzala de escravos para a mão-de-obra de suas indústrias. Querem que o Nordeste seja a África antiga onde se pilhavam escravos. O crime de Humberto é ser paraibano, é ser nordestino, é ter ousado presidir o Senado da República. Uma justiça que só mete na cadeia os negros, os pobres e os nordestinos não merece o respeito das pessoas decentes”.
Nonato Guedes