Duvidou quem quis. Quando afirmou em meados de 1990 que ficaria no cargo até o último dia de seu segundo mandato, o governador da Paraíba, Tarcísio de Miranda Burity, já falecido, não estava blefando. Ele enfrentou tantas turbulências políticas que acabou ficando sem fichas decisivas no jogo da própria sucessão. Além do mais, embora defendesse a tese de que governantes precisam de mandatos para dispor de uma tribuna na qual possam se defender das acusações dos adversários, Burity chegou a uma encruzilhada em que não podia, de fato, concorrer a nada naquele ano.
Renunciar ao governo para disputar Senado ou Câmara Federal seria entregar o poder antecipadamente a adversários: Burity não tinha vice, já que seu companheiro de chapa Raymundo Asfora foi encontrado morto poucos dias antes da posse na granja Uirapuru em Campina Grande, dividindo-se as versões entre hipótese de suicídio ou assassinato. Na Assembleia, de onde sairia o sucessor automático de Burity, o ex-governador deparava-se com a hostilidade de antigos aliados. Havia rompido com o PMDB, negara-se a jurar a nova Constituição e já não tinha mais controle ou segurança sobre quem estava a seu favor e quem estava contra ele.
Na campanha para governador em 90 alistaram-se como candidatos Ronaldo Cunha Lima pelo PMDB e Wilson Leite Braga pelo PDT. Burity, que se filiara ao PRN, partido que ancorou a candidatura vitoriosa de Fernando Collor a presidente da República, decidiu investir na candidatura do deputado federal João Agripino Neto, que tinha excelente imagem junto a setores da classe média e era filho de uma legenda política – o ex-governador João Agripino. João Neto foi surpreendentemente bem votado no primeiro turno mas não logrou ir para a finalíssima, que ficou para ser decidida entre Ronaldo e Braga. “Nem Braga nem Ronaldo; votarei em branco”, reagiu Burity, explicando que fazia restrições aos dois postulantes. João Agripino Neto decidiu apoiar Ronaldo, justificando que tinha incompatibilidades com o braguismo. Cunha Lima venceu Wilson, tendo como vice o empresário Cícero Lucena, oriundo da construção civil e que até então havia atuado nos bastidores de campanhas do PMDB, dirigido por um parente ilustre, o senador Humberto Lucena.
Em junho de 89, em meio à repercussão da sua decisão de romper com o PMDB e ficar sem partido, Burity produziu desabafos em série, atirando para todos os lados, em conversas com jornalistas na Paraíba e em São Paulo. A respeito da sua intenção em permanecer no Palácio da Redenção até o último dia de governo, sobre a qual pairavam dúvidas, ele contra-atacou: “Só duvida que eu fique no governo até o fim quem quer. Para sobreviver, não preciso de emprego de governador. Renunciei a meus vencimentos como governador porque posso passar sem eles”. Contabilizava que se ficasse no governo até o fim teria peso para eleger uma bancada de três a cinco deputados. “É um número baixo, mas eles saberão fazer barulho”, ameaçava. O ex-governador queixava-se de que o PMDB reclamava de barriga cheia porque mantinha secretários e pessoas de confiança no segundo escalão. E abria fogo de artilharia, como se deduz destas afirmações:
* O PMDB chegou ao poder comigo mas não soube ser poder
* Não tenho temperamento para molecagem de deputados em cima do interesse público. Meu estilo é outro.
* Humberto (Lucena) é correto mas se deixa levar muito por esse pessoal fisiológico do PMDB. Esse pessoal se diz autêntico mas quem fez oposição fui eu. Eu, Antonio Augusto Arroxelas, Marcus Odilon Ribeiro Coutinho e Jovani Paulo Neto. Em 85, o PMDB estava atrelado a Braga.
* Não sei fazer política na base de favores, de coisa miúda. As audiências com deputados são um martírio. Só sai pedido de emprego ou de favores. Um dia de audiência é um dia de prejuízo para o Estado. Pouquíssimos levam pleitos em favor do Estado. Não estou enfadado do convívio com os políticos. Estou apenas cansado. Antes que o PMDB rompa comigo, eu rompo com ele. Se quiserem me desafiar, vão quebrar a cara porque eu não saio do governo, Fico até o último dia. Já fui calmo demais nos últimos anos.
O episódio da turbulência política vivida por Burity no seu segundo governo está vindo à tona na Paraíba diante da ameaça do governador atual Ricardo Coutinho (PSB) de permanecer no Palácio da Redenção até o último dia. Seus aliados insistem em que o chefe do Executivo seja candidato ao Senado, com isto reforçando o palanque do eventual candidato ao governo que venha a ser lançado pelo governador ou apoiado pelo seu esquema. Até agora, Ricardo é uma incógnita absoluta. Nem confirma disposição de concorrer ao Senado nem antecipa um nome sequer que possa ser adotado por ele para disputar sua sucessão. Limita-se a garantir que acima de qualquer outro interesse, sobretudo de caráter pessoal, está “o projeto administrativo que venho colocando em prática e que mudou os costumes e a realidade da Paraíba nos últimos anos”.
Os analistas políticos, em regra, admitem que há situações distintas entre o caso de Burity e a situação do governador Ricardo Coutinho. Mas há pontos em comum – um deles esse aceno de Ricardo de que deve permanecer no Executivo até o último dia. Uma tese que muitos ainda pagam para ver concretizada.
Nonato Guedes