A explosão de uma bomba em um cine-teatro mantido pela diocese e cujo embrulho foi colocado debaixo da poltrona habitualmente ocupado pelo bispo, que, nessa noite, estava fora da cidade; a infiltração de agentes policiais disfarçados em movimentos culturais e artísticos; o fechamento de uma emissora por ter sido a única a divulgar, no Brasil, a prisão e tortura de um ativista político de esquerda da Paraíba radicado no Recife. Estes são alguns episódios de bastidores ocorridos nos “anos de chumbo”, no final da década de 60 e durante a década de 70 na cidade de Cajazeiras, tida como “a cidade que ensinou a Paraíba a ler”, que serão narrados pelo jornalista Nonato Guedes em livro bombástico que pretende lançar este ano.
Nonato diz que foi incentivado pelo seu irmão mais novo, o poeta e jornalista Linaldo Guedes e pelo jornalista Gutemberg Cardoso, com quem trabalhou no Sertão e em João Pessoa, a converter em minucioso relato jornalístico farto material que ele colheu quando atuava em órgãos de imprensa na cidade de Cajazeiras e, em paralelo, engajava-se em movimentos culturais, a exemplo de Festivais de Poesia e peças teatrais contestando o regime militar. Guedes foi o primeiro presidente do cineclube Vladimir de Carvalho e conseguia filmes junto a embaixadas de países como a União Soviética que eram reproduzidos e, em seguida, discutidos por um público restrito em Cajazeiras. Como presidente do cineclube, ele levou a Cajazeiras o cineasta e crítico de cinema Jean Claude-Bernadeth para ministrar um Curso para os participantes do “Vladimir de Carvalho”.
Tendo trabalhado na rádio Alto Piranhas, que na época pertencia à diocese de Cajazeiras, Nonato aliou-se a padres, inclusive italianos, da chamada “linha progressista”, que travavam embates com representantes do clero conservador, reflexo da divisão que acontecia na Igreja Católica em todo o Brasil. Guedes participou de um encontro no final de semana em Olinda, com delegações de várias regiões do país e que foi encerrado por dom Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, taxado de “bispo vermelho” pela imprensa direitista da época. Foi nessa ocasião que pegou um ônibus, no Recife, junto com o então universitário Edival Nunes da Silva, “Cajá”, militante de organização clandestina de esquerda e, ao mesmo tempo, integrante de Pastoral da Arquidiocese comandada por dom Helder. No percurso de ônibus, “Cajá” comunicou que estava sendo perseguido e que iria descer num ponto aleatório para despistar seus algozes. No dia seguinte, em Cajazeiras, Nonato colheu na rádio Voz da América, de Washington, em transmissão em português para o Brasil, a notícia da prisão e tortura de “Cajá” e a divulgou na rádio Alto Piranhas. Como consequência, a emissora foi fechada por dois dias pelo Dentel, que enviou funcionários para selarem o “cristal” da estação. O bispo era dom Zacarias Rolim de Moura, que tinha atuação moderada, e o diretor da emissora era o monsenhor Vicente Freitas, de atitudes mais conservadoras, ambos alinhados com o regime militar.
Por indicação do padre Gervásio Fernandes de Queiroga, Nonato Guedes foi admitido como integrante da Comissão de Justiça e Paz da diocese de Cajazeiras. Ele era alinhado a padres italianos, como Giuliano Pellegrini e Albino Donatti, que acabaram sendo “expulsos” da diocese de Cajazeiras por pressão de setores conservadores e ligados ao latifúndio, apontados como “subversivos”. Ambos retornaram à diocese de Trento, na Itália, quando o papa João Paulo Segundo desembarcava no Brasil. Os padres italianos embarcaram no aeroporto internacional dos Guararapes, no Recife, e de lá enviaram correspondência a Nonato, que já estava atuando em João Pessoa, agradecendo a mobilização que ele fez denunciando à opinião pública a perseguição aos prelados italianos. “Há muitas histórias que precisam ser narradas e que talvez sirvam de conexão com fatos pendentes, que não chegaram a ser apurados, como a bomba que explodiu no Apolo XI”, ressalta Nonato Guedes, arrematando: “É hora de contar”. Ele diz que poucos sabem mas Cajazeiras era ponta-de-lança de um movimento de resistência à ditadura militar, pela proximidade geográfica com Estados como Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte e pela forte efervescência cultural, refletida nas Semanas Universitárias de Cajazeiras, além de eventos políticos como a romaria do ex-deputado João Bosco Braga Barreto a Juazeiro do Norte-CE. Bosco foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional.
Da Redação