A cassação em pleno mandato foi uma sina peculiar que, na Paraíba, alcançou pai e filho. O senador Cássio Cunha Lima (PSDSB) há dez anos teve ceifado o segundo mandato de governador que havia conquistado nas urnas, por decisão que ele chama de injusta e equivocada, proferida pela Justiça Eleitoral no Estado e referendada pelo TSE em Brasília. Em 1968, o pai de Cássio, o poeta e ex-governador Ronaldo Cunha Lima, já falecido, um dos mais carismáticos líderes políticos paraibanos, foi deposto da prefeitura de Campina Grande apenas 43 dias depois de ter sido investido pelo voto da maioria do eleitorado. Ronaldo foi cassado pelo regime militar que então imperava no país, em meio a uma articulação engenhosa de adversários políticos locais que tinham interesse em evitar o florescimento de uma jovem liderança.
Recolhido ao ostracismo, e tendo que sobreviver no Sul do país, Ronaldo Cunha Lima foi recompensado em 1982, quando reconquistou pelo voto a prefeitura da segunda cidade mais importante da Paraíba e beneficiou-se, colateralmente, com uma decisão do Congresso Nacional que prorrogou mandatos executivos municipais a pretexto de coincidir eleições gerais. Com isso, ao invés de quatro anos, como previa o calendário, o poeta governou por seis anos. Na condição de deputado estadual pelo PTB, no início da década de 60, Ronaldo tomou posição diante dos acontecimentos que agitaram o Brasil com a renúncia do presidente Jânio Quadros e a tentativa de impedir a posse do vice-presidente João Goulart. Como vereador, além de defender a posse de Goulart, Ronaldo apresentou projeto de lei para que o espaço entre os prédios da Câmara Municipal e prefeitura fosse denominado de “Largo da Legalidade”, sugerindo, também, que no recinto fosse erguido um busto do ex-governador Leonel Brizola. Em 62, como deputado estadual, alinhou-se ao bloco da Frente Parlamentar Nacionalista. Em 64, ocupou a tribuna para defender a normalidade democrática e constitucional. No dia 15 de junho de 64, completados menos de três meses da deposição de Goulart, Ronaldo foi a Campina solidarizar-se com seu amigo Newton Rique, prefeito, cassado no dia anterior. Em 1968, ele mesmo foi candidato à prefeitura e, apesar de vitorioso, manteve-se apenas 43 dias no comando. Suportou o período de ostracismo com dificuldades, mas com dignidade.
Ronaldo teve que sobreviver entre o Rio e São Paulo, montando banca de advocacia própria e, depois, em sociedade com amigos e se dedicando a outras atividades extra-profissionais, valendo-se da versatilidade que o fez trabalhar como gazeteiro, garçom e apontador de obras e consagrar-se como poeta, que encantava multidões nos comícios a céu aberto. Enfrentou uma segunda punição quando, em busca da sobrevivência, foi impedido de ir até o fim como estrela de um famoso programa de TV, o “J. Silvestre”, na extinta TV Tupi do Rio, onde respondia a perguntas sobre o poeta paraibano Augusto dos Anjos. Só no final da década de 80, já então no programa “Sem Limite”, apresentado na TV Manchete por Luiz Armando de Queiroz, Ronaldo concluiu sua incursão televisiva. A visibilidade no vídeo abriu as portas para seu retorno à atividade política, coicindidindo com a reabertura democrática. Em 1990, Ronaldo Cunha Lima, natural de Guarabira mas com atuação política fixada a partir de Campina Grande, elegeu-se governador da Paraíba em segundo turno, derrotando um dos mais populares líderes políticos – Wilson Leite Braga, que havia sido consagrado ao governo pela primeira vez na década de 80 derrotando Antônio Mariz. Ronaldo exerceu, ainda, mandatos de deputado federal e senador, destacando-se pela sua condição de “parecerista” em projetos de natureza polêmica que afetavam a ordem constitucional vigente. Chegou a ser cogitado como candidato a vice-presidente da República numa chapa encabeçada por Orestes Quércia, ex-governador de São Paulo, mas o projeto não se concretizou. Foi dele a iniciativa de preparar Cássio Cunha Lima como o “príncipe herdeiro”, reconhecendo vocação política no filho. Quando ocorreu a cassação de Cássio, Ronaldo, que começara a enfrentar graves problemas de saúde, ficou profundamente abalado. Embora em outra dimensão, a sina trágica da cassação repetia-se no clã do qual ele sempre foi o grande expoente. Daí a dor incontida que o fez desabafarr, em prosa e verso, a irresignação pela injusta punição aplicada contra o filho, do qual sempre se orgulhou. Ronaldo foi militante em partidos como PSD, PTB, MDB e PMDB. No final da década de 90, rompeu com a cúpula peemedebista, então dirigida pelo governador José Maranhão e migrou para os quadros do PSDB, junto com expressivo grupo político, amargurado, como confessava, pelo fato de ter sido o político com a ficha 001 do MDB e ter que deixar as hostes da agremiação por dificuldades de convivência política. Ronaldo foi um dos raros líderes políticos a exercer praticamente todos os cargos da atividade – de vereador a prefeito, deputado estadual, federal, senador e governador. Em tom de brincadeira, costumava dizer: “Só não fui presidente da República”.
Nonato Guedes