A “caravana” que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva deflagra hoje pelo Nordeste, começando por Salvador, que é administrada pelo DEM tendo como expoente um neto do velho cacique Antônio Carlos Magalhães, abriga simbolismos que estão dissimulados nas entrelinhas das falas dos próceres petistas. A pretexto de vir dialogar sobre a realidade regional, Lula dará o pontapé inicial da sua almejada candidatura a presidente da República nas eleições de 2018. De certa forma, está embutida no gesto uma provocação ao juiz Sérgio Moro, que condenou o ex-presidente a nove anos e meses de prisão, embora não tenha decretado a prisão propriamente dita, preferindo punir Lula numa parte sensível do organismo humano – o bolso, mediante bloqueio de recursos e arresto de bens.
Lula, em tese, com a caravana, logra cometer uma bravata – o que é típico do seu estilo: tenta desgastar a Justiça provando que apesar de ser considerado por esta inelegível por quase uma década é capaz de gerar fatos que viabilizem a consumação da sua suposta candidatura ao Planalto. A “jararaca”, como ele se autodenominou em instante de irritação por estar sendo molestado pela esfera judicial, tenta demonstrar que está ativa e que é ameaçadora aos expoentes do “status quo”. No paralelo, o ex-presidente investe para capitalizar o papel de “vítima”, que Lula considera talhado especialmente para ele. Mesmo quando estava aboletado no poder, sem nenhuma ameaça visível a projetos políticos pessoais, Lula abusou da “vitimologia” para escafeder-se de acusações ou insinuações, a partir da negativa de conhecimento do “mensalão” dos aloprados petistas contra todas as evidências de alertas que lhes foram feitos por figuras como o deputado Miro Teixeira. Foi necessário que Roberto Jefferson vestisse a carapuça de “delator”, incriminando José Dirceu, o então todo-poderoso Chefe da Casa Civil, como um dos executores do pagamento da “mesada” a parlamentares, para que Lula viesse a público ensaiar um pífio pedido de desculpas à opinião pública.
Em termos concretos, é difícil avaliar se Lula conseguirá, nesse périplo que começa pelo Nordeste mas se estenderá a outras regiões, o seu maior objetivo: contribuir para que o PT volte a crescer, a ser uma força política no cenário nacional, apesar da sangria profunda que anotou em suas fileiras como reflexo dos escândalos que mancharam a ética de um partido que se pretendia referência internacional e, internamente, aureolava-se como “palmatória” de outros partidos por supostamente diferenciar-se deles, principalmente no campo ético. Foi exatamente aí, no campo ético, que a bandeira vermelha do PT foi rasgada e gorou o discurso da “exceção” que os petistas se atribuíam. Que exceção, que nada! O PT foi com desmesurada sede ao pote, ou ao cofre público, com um apetite de fazer inveja a condestáveis de outras siglas partidárias, também pilhados em atitudes pouco republicanas. Se bem que Lula não costume dar explicações (ele é especialista em “enrolar”) o ex-presidente estará exposto a cobranças que podem diminuir seu capital de confiança, já chamuscado – ou, ao contrário, num efeito bumerangue, despontar como um semideus, o figurino que o PT pede aos céus a todo instante.
Ao mesmo tempo, a tal “caravana” se presta a outro interesse adrede cultivado pelo ex-presidente: o de massacrar de público o governo de Michel Temer (PMDB), considerado traidor por supostamente ter conspirado contra Dilma Rousseff nos bastidores, no itinerário que precedeu a decretação do impeachment, gesto que os petistas traduzem em “golpe”, apesar de o processo ter tido pleno aval do Supremo Tribunal Federal. Lula sabe que o governo de Michel Temer coleciona recordes de impopularidade ou rejeição ou desaprovação popular e que o presidente em si não tem carisma para reverter percentuais hostis, independente de “pacotes de bondades” que ouse expedir para favorecer os brasileiros que estão cada dia mais pobres e sacrificados. Combater Temer é mão na roda, especialmente para Lula, que joga mais com o gestual do que com o conteúdo. Ele é de gritar para se fazer massificar. Não é afeito a doutrinações mais profundas, até por falta, digamos, de melhor aparato intelectual para exprimir a conjuntura contemporânea.
A escolha do Nordeste como ponto de partida da “caravana lulista” foi propositadamente calculada, por se tratar de uma região onde o ex-presidente Lula tem origens e prestígio, embora o PT, como agremiação partidária, esteja em declínio e a militância remanescente padeça de motivação para ir às ruas acenar a bandeira vermelha que consagrou a nascente legenda dos assalariados na recomposição partidária derivada da restauração democrática no país. Em último caso, sejamos honestos: a “caravana” dá a Lula a oportunidade de sair da ociosidade, que como todos sabem é má companhia. Sem mandato político ou parlamentar e estando ainda à certa distância do embate presidencial, não resta a Lula senão o recurso de ir para as ruas falar mal do governo. É uma tática que costuma dar ibope. Veremos se o enredo vai se repetir nessa tal “caravana”.
Nonato Guedes