O ministro paraibano Herman Benjamin foi pertinente ao colocar o dedo na ferida e expor o seu receio de que políticos com mandato em Brasília estejam tramando, nos bastidores, a volta do financiamento de campanhas eleitorais por parte de empresários. Foi através desse mecanismo que se institucionalizou no Brasil a prática do “caixa dois”, um artifício que se presta a mil e uma utilidades, entre as quais o enriquecimento próprio, como detectou o ministro paraibano com acuidade, ao ter contato com depoimentos, informações e subsídios originários da Operação Lava Jato. Benjamin comparou o financiamento empresarial a um “entorpecente”, do qual políticos dependem visceralmente. Ele tem razão. O financiamento empresarial é uma espécie de “morfina” para anestesiar candidatos e levá-los ao paraíso nas disputas eleitorais.
Ocorre que o financiamento de campanhas políticas por parte de empresários possibilita uma relação incestuosa que é daninha ao sistema vigente no Brasil. O ministro, ao que se sabe, teve a chance de vasculhar o submundo da política-partidária aqui reinante em agremiações tão distintas quanto o PT, o PSDB e o PMDB velho de guerra. Do conluio resulta o famigerado caixa dois, a que o eleitorado foi apresentado na esteira da divulgação de escândalos. No PT, um ex-tesoureiro que se radicou por algum tempo na Paraíba, Delúbio Soares, institucionalizou a definição “dinheiro não contabilizado” para justificar o tal caixa dois. Ou seja, dinheiro ilícito, cujas origens são ocultas porque assim mandam as conveniências. É bom para todo mundo que participa da orgia. Afinal, já proclamava Sérgio Porto, o inesquecível Stanislaw Ponte Preta: “Ou nos locupletemos todos ou restaure-se a moralidade”.
A verdade é que a maioria dos políticos não digeriu a ameaça do fim do financiamento empresarial, com a emergência, em seu lugar, do financiamento público, mais controlado e teoricamente justo ou equitativo, que ignora privilégios a A ou B como era praxe no sistema anterior. O financiamento público é uma pedra no meio do caminho, obstáculo para a rapinagem por parte dos espertalhões contumazes que têm facilidades em fundar partidos e deles se beneficiarem como instrumentos de barganha para enriquecimento próprio. Soa estranha, inclusive, a proposta do senador paraibano Cássio Cunha Lima, do PSDB, que institui a figura do doador oculto. Pela sistemática por ele defendida, teríamos a eclosão dos “doadores e beneficiários ocultos”, sem identificação de quem repassou dinheiro e para quem. Um método engenhoso, mas, convenhamos, nada transparente. Uma proposta infeliz da lavra do representante paraibano e que pode até prosperar, mas cujo aspecto ético-moral é plenamente questionável.
O que se nota é que os candidatos às próximas eleições estão apavorados literalmente com a ameaça da escassez de dinheiro fácil para irrigar as campanhas do ano vindouro. Não é por outra razão que políticos até então cogitados para disputar cadeiras de governador ou de senador estejam reavaliando planos de voo e baixando patentes, admitindo uma deputação federal, até mesmo uma deputação estadual. Tudo por causa do risco de mudanças profundas no aporte financeiro-logístico que dá suporte às campanhas. É a estória do uso do cachimbo que entorta a boca. Até ontem, fulano de tal estava acostumado com um tipo de prática assim assado. Hoje, descobre que já não há mais a facilidade institucionalizada e que os ventos sopram em outras direções. É difícil, muito difícil, acostumar-se a mudanças, pelo menos de forma automática ou imediata.
Convém lembrar, apenas, um pequeno detalhe: se os nobres congressistas insistirem em enxertar penduricalhos que os beneficiem na projetada reforma política podem começar a se preparar para o repúdio do eleitorado. Não haverá falta de esclarecimento sobre qualquer maquiagem que venha a ser feita porventura no texto da legislação. E como a moeda corrente, já de algum tempo, na opinião pública, é a da transparência, nada mais natural que haja uma reação de protesto em alto estilo, com proliferação de votos brancos e nulos na competição eleitoral à frente. Quem quiser continuar brincando com o povo, fique à vontade. Mas esteja preparado para as consequências.
Nonato Guedes