Eis uma questão difícil de responder nos dias atuais. Não porque a Polícia deixou de existir, porque deixou de ir à ruas e prover o mínimo de sensação de segurança à sociedade ou porque nós mesmos, enquanto seres humanos normais e comuns, não conseguimos assimilar sua presença, suas ações, operações e intervenções de toda ordem. Efetivamente não é isso. Ela continua produzindo, trabalhando diuturnamente, exercitando o seu mister constitucional, cumprindo o seu papel de mantenedora da ordem e paz públicas, no entanto, de forma pífia e centrada em modernas políticas de cultura de paz e polícia de aproximação, a exemplo das de princípio já fracassadas e agora desmascaradas Unidades de Polícia Pacificadora(UPPs), no Estado do Rio de Janeiro, que sempre me referia como políticas de segurança pública para inglês ver.
O Rio de Janeiro, como de resto o país inteiro, continua lindo, maravilhoso. O seu povo o fluminense e o brasileiro -, sempre muito receptivo, simpático, acolhedor, festivo e cheio de amor pra dar, mas envolto por uma onda de criminalidade, nunca dantes registrada. O país está em colapso completo, não só com relação à segurança pública, mas também à saúde, à educação, à infraestrutura e transportes, comunicações e como agravante maior, mergulhado nesse mar de lama de corrupção política que conduz a Nação a uma recessão econômica sem precedentes, inviabilizando a economia e todo tipo de investimentos. Uma lástima.
Como se não bastasse todo esse cenário macabro, somemos a tudo isso, a elevada mortandade de policiais em serviço e fora dele, tendo como parâmetro o Estado do Rio de Janeiro. Recente matéria publicada em revista de grande circulação nacional, nos apresenta números estarrecedores e deveras preocupantes. Os registros nos levam a extravagantes 3.234 mortes, entre os anos de 1994 a 2017, o que nos dá uma média de 140,6 mortes de PM/ano. Um absurdo, na nossa mais modesta análise, provocada pelo próprio Estado brasileiro, que tem insistido nas hipócritas e falidas políticas a que nos referimos anteriormente. Paz, senhores, se proclama com a sociedade inteligente, ordeira, trabalhadora e contribuinte. A parte que defende e busca seus direitos, mas também assimila de maneira sóbria suas obrigações, produzindo bens e serviços, ofertando emprego e renda, proporcionando dignidade aos seus concidadãos.
Por outro lado, polícia de aproximação se faz igualmente com esses mesmos atores, mas através de atividades de grande e efetiva mobilidade, jamais dispondo o prévio conhecimento da localização exata de quem vai prevenir ou reprimir ilicitudes, especialmente em áreas historicamente dominadas pelo crime, como temos visto não só no Rio de Janeiro, mas em boa parte do território nacional, reeditando um modelo frágil e ineficiente que expõe sobremaneira os policiais em atividade, justo por outro grave calo que assola do Sistema de Defesa Social brasileiro: os parcos efetivos das polícias. Com pouco efetivo, os gestores de segurança pública e as organizações policiais brasileiras, se apegam a apresentar soluções iminentemente profiláticas e imediatistas, ludibriando a boa fé da sociedade como o fez no caso das UPPs -, que passa a acreditar em determinados modelos, considerando que o cenário de insegurança sofrerá melhoras.
Ledo engano e o maior dos engodos. Me remeto a essa crítica, mas n?o a faço de agora, mas desde sempre, pelo pouco de vivência na lida com a escória social, desempenhada na atividade operacional por longos trinta anos de serviço ativo. Que me perdoem os fervorosos defensores de tais políticas, inegavelmente desastrosas, vilipendiadoras de vidas inocentes, responsáveis pela orfandade de milhares de crianças filhos de policiais e outros milhares de viúvas desamparadas pela obscuridade estatal que, sequer, depois de tombado, tem a capacidade de reconhecer um servidor que se doou, dedicou, arriscou e deu a própria vida em defesa de outrem. Política insegura porque nem seguro de vida oferece -, política sem vergonha.
E a Polícia, onde está? Está nas ruas, becos, vielas, travessas, esquinas, avenidas, bairros, comunidades, cidades. Está por aí. Quiçá tão desprotegida quanto nós outros, cidadãos comuns, anônimos. Também à mercê, como toda sociedade, do banditismo violento e cruel com armamento ultrapassado, EPI vencido, salário irrisório -, protagonista da máxima do salve-se quem puder!, convivendo com a incerteza de sair de casa para trabalhar e não retornar para rever à família. Ela está por aí, inclusive nos cemitérios, n?o policiando ou patrulhando, como deveria ser a normalidade, mas sendo enterrada, como enterrada está sendo, a própria sociedade brasileira. É preciso dar um basta em tudo isso. O crime precisa ser enfrentado de frente. E a Polícia, onde está???
Coronel Kelson Chaves