Na passagem, ontem, por Ipojuca, no Grande Recife, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi apresentado a duas faces de uma realidade vivenciada no seu último mandato. A população da cidade, em pouco tempo, foi do céu ao inferno. Experimentou uma fase áurea com a chegada de empreendimentos na indústria naval petrolífera a partir de 2007 e caiu em desgraça com demissões em massa na esteira dos escândalos ocorridos na Petrobras e revelados na década seguinte. Em Ipojuca, está situado o complexo portuário de Suape, um dos maiores investimentos econômicos da região nordestina. Entre 2007 e 2012 os empregos formais contabilizados somaram 37.434 com carteira assinada, sem dúvida um marco extraordinário num país com dificuldade de distribuição de oportunidades. A partir de 2014, 39.533 vagas ou postos de trabalho foram perdidos.
Por essa época – 2014 – a credibilidade dos governos petistas estava profundamente arruinada com os escândalos consecutivos do mensalão e do petrolão – este com desdobramentos ainda hoje, nas ações da Operação Lava-Jato, tão combatida pelo ex-presidente Lula nos seus discursos. O “milagre de desenvolvimento” verificado em Ipojuca, além da ofensiva desencadeada pelo governo de Lula, foi favorecido por uma agressiva política de investimentos do governo de Eduardo Campos, do PSB, falecido em acidente aéreo. Conjugadas, as iniciativas dessas esferas permitiram um verdadeiro “boom”, projetando Pernambuco para o mundo inteiro. A Era petista, como ficou provado, deu o peixe aos pobres e, depois, retirou-o, no bojo da ambição que levou à prática de assaltos ao erário público, de que são exemplos as prisões de cabeças coroadas do petismo e de comparsas de outros partidos que se entrelaçaram para o grande ciclo da corrupção institucionalizada.
Lula poderia ter sido poupado pela assessoria de ter articulado uma expedição feérica a uma localidade que praticamente vive na miséria, hoje. Como não dá muita importância a incoerências e contradições, o ex-presidente entoou louvores aos governos do PT (os dele e o de Dilma Rousseff) numa cidade que foi penalizada pelo reverso da medalha. Ou seja, o ex-presidente decantou uma bonança que acabou não se traduzindo em benefícios concretos para a população pobre. Esse ponto de estrangulamento derruba qualquer discurso triunfalista, na linha dos discursos que Lula gosta de proferir, em que dá ênfase demais a si próprio e se atribui o dom divinatório de ter sido, realmente, quem descobriu o Brasil e quem fez o Brasil tornar-se uma potência.
O vexame protagonizado em Ipojuca, teoricamente, daria razão aos que consideram perda de tempo e de significado o roteiro de visitas ao Nordeste que o ex-presidente desenvolve e que hoje envolve a Paraíba, com João Pessoa e Campina Grande na programação. Mas há males que vêm para o bem. Na radiografia crucial a que o ex-presidente foi submetido, em estado de catarse, ou de transe, ficou embutida uma lição pedagógica que paira com muita força acima da demagogia e da retórica barata de governantes de quaisquer matizes: a lição de que governos não são exatamente perfeitos nem estão acima do Bem e do Mal, sendo passíveis de cometer crimes contra o interesse público, ainda que não tenham tido intenção declarada de fazê-la. No fundo, no fundo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula é um misto de deslumbrado com uma fração de revoltado. Elevou-se às alturas quando sentiu o incenso de perto. E mergulha em depressão não confessada ao verificar o estrago que o improviso e a demagogia, juntos, produzem contra o povo.
Nonato Guedes