O batismo de fogo de Dom José Maria Pires na Paraíba deu-se logo no dia 31 de março de 1966. Ele havia chegado no dia 27 e foi chamado a celebrar missa pelo transcurso do movimento militar, na Igreja de São Bento, já que a Catedral estava em reformas. Entre as autoridades, o governador João Agripino Filho, com quem Dom José manteve boas relações, e representantes do Exército. Na homilia, que escreveu na véspera, ressaltou como ponto positivo da chamada revolução o controle das greves, que se multiplicavam pelo país. Mas protestou contra as arbitrariedades cometidas já pela nova ordem, e refletidas em prisões de estudantes.
Concluído o ofício, o capelão militar já estava na porta da Igreja esperando-o e disse a dom José: “Os oficiais estão indignados com sua pregação porque o senhor apontou falhas na revolução, o que não é permitido”. Mais tarde, ele recebeu um telegrama do engenheiro Stanley Batista, diretor geral do Dnocs, que estava em Fortaleza, desconvidando-o para acompanhar o ministro da Viação, general Juarez Távora, na visita à Paraíba para inaugurações. Também chegou-lhe às mãos um ofício do comando do Grupamento de Engenharia em João Pessoa, com dois parágrafos. O primeiro continha agradecimento por dom José ter celebrado a missa em ação de graças pelo segundo aniversário da autodenominada revolução; o segundo expressava lamento diante do fato dele ter apontado falhas na revolução, “o que é inadmissível”.
No dia seguinte, ao saber da chegada do general Euler Bentes, comandante do Grupamento, dom José pediu-lhe uma audiência e para lá se dirigiu em companhia do padre Hildon Bandeira. Levou uma cópia da homilia e convidou o general para uma leitura conjunta. Euler, que era um diplomata, bateu no seu ombro e disse: “Senhor Arcebispo, claro que tudo é verdade. Já ouvi falar. Mas é que o senhor diz coisas que vão influenciar os jovens e eles vão fazer subversão apoiados na sua palavra”. Dom José respondeu: “General, os senhores combatem o comunismo; nós, da Igreja, também. Só que queremos combatê-lo com a verdade, com o debate livre. E os senhores querem através da repressão”. O general encerrou a conversa dizendo: “Olhe, vamo ser bons amigos”. E convidou dom José a tomar um cafezinho e conhecer o Grupamento.
Em 1969, quando Pedro Aleixo foi impedido de assumir a presidência da República devido à doença de Costa & Silva, tendo sido empossada uma Junta Militar, dom José foi novamente ao Grupamento, com padre Hildon, e teve discussão acalorada, porém, “cordial”, com o comandante, que se estendeu até a meia noite. Como consequência, o arcebispo informou que não iria participar da parada militar do Sete de Setembro, em sinal de protesto.
Com o governador João Agripino, o relacionamento era o melhor possível, segundo dom José numa entrevista. Por ocasião da morte do jovem estudante Edson Luís no Rio de Janeiro, ele foi procurado por jovens para celebrar uma missa na Catedral e aceitou o desafio, ponderando apenas que eles não cometessem atos destoantes do ritual. De repente, folheetos contra o regime foram despejados na Igreja, que estava cheia de militares. Na saída, alguns estudantes ficaram detidos. Os demais saíram em passeata e ficaram cercados na lagoa do Parque Solon de Lucena. O arcebispo tentou mediar soluções, inutilmente, junto aos presidentes da Assembleia e Tribunal de Justiça. Foi a Palácio e Agripino atendeu-o prontamente.
– Tirar a Polícia eu não tiro porque, se fizer isto, o Exército vai entrar. Enquanto é Polícia, eu mando. Quando for o Exército, não mando mais. Vamos tentar uma solução – alertou João Agripino. Chegou-se ao consenso de que a Polícia não sairia das ruas mas abriria espaço para a dispersão dos estudantes. E assim foi feito. Para dom José Maria Pires, João Agripino soube manter sua autoridade e respeitar a situação.
Nonato Guedes