A Paraíba que se engalanou para dar as boas-vindas a dom José Maria Pires, seu novo Arcebispo Metropolitano, na década de 60, hoje se prepara para dar adeus ao clérigo que veio de Minas Gerais para ser um profeta em pleno Nordeste das secas e da pobreza. Durante cerca de trinta anos, dom José foi uma voz firme na defesa das causas sociais, na luta contra as injustiças e em iniciativas de valorização da Cidadania, como ao criar o primeiro Centro de Defesa dos Direitos Humanos no Brasil. O enterro está previsto para acontecer às 16h e o corpo foi transladado na noite de ontem/madrugada deste dia 29, de Belo Horizonte, onde ele ultimamente residia e foi velado igualmente. Quarto arcebispo da Paraíba, dom José será o terceiro a ser sepultado na Basílica de Nossa Senhora das Neves, na Capital.
Dom José deixou a Arquidiocese em novembro de 1995, quando passou o bastão para dom Marcelo Pinto Carvalheira, recentemente falecido no Recife. Desde então, “Dom Pelé” ou “Dom Zumbi”, como era chamado, morava edm um mosteiro em Belo Horizonte. Faleceu na noite do último domingo, em virtude de complicações de uma peunominia. O atual arcebispo da Paraíba, dom Manoel Delson, em depoimento à imprensa, disse que mesmo com a idade avançada, Dom José tinha boa saúde. Lúcido sempre, sem parar de trabalhar e celebrava a missa todo dia, atendendo também aos fiéis. Entre as inúmeras batalhas que enfrentou em nosso Estado, ganhou destaque a resistência de dom José contra os latifundiários de Alagamar, que recorreram à força policial para expulsar trabalhadores das terras. Lutou, também, em defesa de estudantes perseguidos pela ditadura militar. Recusou título de Cidadania Paraibana, aprovado na Assembleia Legislativa, porque não aceitou submeter seu discurso à censura prévia. Indispôs-se com comandantes militares por não celebrar atos religiosos em comemoração ao transcurso do golpe militar instaurado em 64 – que num primeiro momento teve o apoio de dom José, iludido com as promessas de liberdade democrática, mas cujos excessos fizeram-no um agente denunciador da repressão cometida.
Embora pregasse a não-violência, dom José tomou a frente de inúmeras ações de camponeses para resistir à violência e às intimidações do aparelho de repressão. Celebrou missa campal na Praça João Pessoa, no Centro de João Pessoa, em solidariedade aos trabalhadores rurais de Camucim, outro foco de conflito e tensão na Paraíba. A luta por Alagamar teve um capítulo marcante: a Cantata para Alagamar, que congregou um bispo católico, um músico e regente judeu, o maestro Alberto Kaplan e um escritor e ateu convicto, Waldemar José Solha. A obra de arte, que virou disco, teve apresentações em teatros e outros ambientes públicos depois que foi proibida em teatros. Folhetos traduzidos para o alemão, inglês e francês possibilitaram o acesso de integrantes de tribos as mais diversas ao espetáculo da elegia em prol das causas humanitárias. A nível nacional, dom José projetou-se com as intervenções feitas durante reuniões da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Seu legado registra um sem-número de livros, dissertações e reflexões sobre temas os mais distintos. “Se ser subversivo é estar ao lado do povo, então eu sou um subversivo”, declarou, numa entrevista antológica, com o desassombro de sempre.
Nonato Guedes