Durante a vigência do regime militar no país, o então arcebispo da Paraíba, dom José Maria Pires – sepultado, ontem, em João Pessoa – foi indicado pela Assembleia Legislativa do Estado para receber o título de Cidadão Paraibano. Mas houve um impasse na concretização da homenagem: a Assembleia condicionou a outorga do título a uma leitura prévia, pelos integrantes da Mesa, do discurso que dom José, natural da cidade de Córregos, Minas Gerais, iria proferir. Uma comissão de deputados chegou a procurá-lo para marcar a data da solenidade, mas dom José se recusou a entregar cópia do texto e dispensou a homenagem.
Posteriormente, ele foi procurado por outros parlamentares, alegando que não havia necessidade de entrega prévia do texto. Dom José, então, respondeu: “Agora não me interessa mais o título. Estou cada vez mais comprometido com o povo paraibano. E vejo que o povo paraibano não tem Cidadania porque não tem emprego, não tem casa, não tem o que comer. Então, não me sinto à vontade para receber a homenagem”. No texto originalmente escrito, dom José dizia que o título prestigiava mais a Igreja que ele representava do que o homem que ele era. E traduziu o conteúdo dessa alocução: “A Igreja crê que nenhuma realidade humana é tão satânica que nada de bom se possa salvar nela”. E adiantava que na sua passagem pelo Estado procurou trabalhar pela conscientização dos homens e pelo respeito aos seus direitos sagrados.
– Nunca me ocorreu o medo de que a conscientização das massas fosse uma tática comunista. Antes, me parece ser a vocação histórica do homem, se conhecendo para se construir. E resistir à História é ser suicida. Parece-nos que os sinais da História são os sinais de Deus. É ele quem quer que o povo se desenvolva e se conscientize. É ele quem quer que seja banida da face da terra a miséria que impera. E os princípios universais do Evangelho encontram sua temática particular, neste momento histórico e nesse recanto da terra, quando lembram aos homens de boa vontade o dever cristão de humanizar a Paraíba”. No arremate, a ênfase do arcebispo: “O Legislativo vem dizer, de público, que a Igreja tem razão, que o Evangelho e problemas humanos caminham pelos mesmos caminhos e que serei o mais paraibano dos cristãos quando for o mais cristão dos paraibanos”. Para ele, a teoria da esquerda corria paralela com as ânsias da Igreja: a promoção do homem, mas de todos homens.
Visita à AL na chegada – Dom José Maria Pires, que foi arcebispo da Paraíba de 27 de março de 1966 a 31 de dezembro de 1994, e teve atuação marcante na defesa dos direitos humanos, chegou a fazer uma visita de cortesia à Assembleia dois dias após sua chegada triunfal. Na ocasião, discursou fazendo uma profissão de fé na democracia e colocando a Igreja à disposição para colaborar com iniciativas de interesse popular. Também proferiu a homilia na missa em ação de graças por ocasião do sesquicentenário do Legislativo, acentuando que o mandato conferido aos políticos não tem outro sentido senão a preocupação com o bem comum.
Numa de suas reflexões, compartilhada com os paraibanos, dom José pontuou que se a política era a arte de governar, ela interessava a todos os cidadãos, quaisquer que sejam suas opções religiosas ou ideológicas. “Numa democracia onde, ao menos por definição, o poder é exercido pelo povo, ninguém deveria julgar-se no direito de ficar alheio ou indiferente à política. “Este, porém, não foi sempre o entender dos cristãos, pelo menos entre nós, do Brasil. Política teve e ainda tem, para muitos, a aparência de mal necessário. É exercida por pessoas mais preocupadas consigo mesmas do que com o bem comum”.
Dom José exortava para a necessidade de políticas públicas voltadas para o bem do povo. E, na sequência, alertava o eleitor para que votasse de forma consciente, sem oferecer seu voto a qualquer amigo que aparecesse. “O voto vale mais do que qualquer favor, mais do que qualquer cesta de alimentos, mais do que material de construção, mais do que roupa, oferta de emprego ou dinheiro”. A cada período eleitoral, seguindo diretrizes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dom José Maria Pires divulgava cartilhas de orientação ao eleitor para que ele votasse conscientemente.
Certa feita, reuniu um colegiado de sacerdotes no Centro de Treinamento de Miramar-Centremar, para que os presentes ouvissem explanações dos jornalistas Nonato Guedes e Erialdo Pereira sobre as origens e os compromissos de candidatos a governador. Isto se deu em 1982, quando concorreram ao governo da Paraíba Wilson Braga, pelo PDS, Antonio Mariz, pelo PMDB e Derly Pereira, pelo PT. Erialdo Pereira era editor de jornalismo da TV Cabo Branco, afiliada da Rede Globo. A eleição ao governo foi vencida por Wilson Braga, com 151 mil votos de diferença sobre Antônio Mariz.
Nonato Guedes