Já estava próximo o desfecho da passagem de Dilma Rousseff pela presidência da República, em 2016, quando ela atuou para documentaristas e se concentrou na missão de representar o papel de vítima de um golpe. No Teatro dos Bancários, na Asa Sul de Brasília, militantes do PT e apoiadores de Dilma, então presidente afastada, aguardavam-no em um espaço apertado. A trilha remontava à campanha presidencial de 2014 com o jingle “Coração Valente” pela voz da pequena baiana Giovanna Lima, que gravou a melodia quando tinha sete anos. O tema foi tocado em looping ao lado do evento e interrompido apenas por poucos instantes. Dilma estava em cena – literalmente, não mais para se manter no Planalto mas como intérprete de uma narrativa que ela desejava que se tornasse viral após o impeachment, conforme registro da reportagem da revista Época.
Ali, no ambiente fechado, controlado com decoração avermelhada, aconteceria um comício cenográfico, artificial, no qual Dilma buscava com seus olhares as câmeras, não a plateia. A presidente da República deixara de existir e surgia a atriz protagonista de um documentário sobre o golpe. A repórter Talita Fernandes, de Época, revela que Dilma autorizara dois meses antes que documentaristas filmassem seu cotidiano no Palácio da Alvorada, onde cumpria seu retiro desde abril e em comícios de equipe. A intenção que movia Dilma era a de que sua história fosse contada. Ela mantinha desconfiança extrema em relação à imprensa. Foi assim que quatro equipes de Anna Muylaert e Lô Politi, ex-colega do marqueteiro petista preso João Santana, na última campanha de Dilma, Petra Costa, Maria Augusta Ramos e Douglas Duarte filmaram seu cotidiano. Dilma exigiu que as equipes estivessem no Senado para onde planejou o ato clímax da sua narrativa – a defesa que fez pessoalmente do seu mandato.
Ela não escondeu que queria entrar para a história como a primeira mulher eleita presidente do Brasil e como vítima de um golpe. Não quis parecer Fernando Collor, que renunciou às vésperas do seu impeachment em 92 e terminou isolado, com fama de explosivo e de alguém que desistiu de lutar. Dilma já demonstrava, então, extrema dificuldade para reconhecer publicamente seus erros, como a aversão à política, o jeito durão, a obsessão centralizadora e a inexperiência política que impossibilitou o diálogo com o Congresso Nacional e o PT. Preferiu atribuir o fim do seu governo única e exclusivamente a um golpe parlamentar, orquestrado por traidores e apoiado pela elite conservadora do país e por segmentos da mídia. Nunca mencionou que os deputados e senadores que a julgavam foram eleitos democraticamente, sendo representantes da população tanto quanto ela. Dilma subiu ao palco vestida com uma calça preta e uma blusa vermelha rajada de negro. No início do discurso que duraria 37 minutos, enfatizou, dirigindo-se aos presentes: “Eu acredito que vocês são o que de melhor aconteceu para mim e para o país nestes tempos tão sombrios”. Um ano depois do impeachment, Dilma é uma incógnita.
Nonato Guedes