A TV Assembleia Legislativa da Paraíba prepara-se para produzir um documentário sobre Elizabeth Teixeira, viúva do líder camponês João Pedro Teixeira, assassinado pelo latifúndio da Várzea paraibana em 1962 por defender o direito dos trabalhadores à posse e ao cultivo da terra. É um resgate oportuno, extraordinariamente pedagógico, da saga de uma mulher humilde que se impôs pela coragem e pela irresignação diante das injustiças e da opressão social que campeou no Estado naquele tempo e que ainda hoje provoca sequelas. A iniciativa do resgate é da jornalista Vall Franca, chefe da Comunicação Institucional da ALPB, que se sensibilizou com relatos da trajetória de uma mulher emblemática.
João Pedro era presidente da Liga Camponesa de Sapé. Foi tocaiado e morto em dois de julho de 62. Elizabeth estava em Vitória de Santo Antão, Pernambuco, participando das filmagens do futuro documentário “Cabra Marcado para Morrer”, quando estourou o golpe de 31 de março de 1964. No Recife, para onde se dirigiu, Elizabeth teve que se disfarçar até de “mulher dama” para escapar ao cerco policial-militar. Encontrando trabalho em remota fazenda do Rio Grande do Norte, ali permaneceu icognita até a anistia de 1979 e o sucesso do filme de que participara, somente então integralizado. Num texto para A União, ao ensejo dos 30 anos do golpe militar, inserido no livro “O Jogo da Verdade”, o repórter José Euflávio indagava onde começava e terminava a história de Elizabeth, em que túmulos estaria oculta.
– Há um turbilhão de casos e fatos mal esclarecidos sobre a vida de Elizabeth. Nem tudo que sabe, contou. Omitiu, por exemplo, que durante meses, guardou arma em casa paraa proteger-se da violência do coronel Luiz de Barros, seu algoz. Nunca contou a ninguém que caminhava sorrateiramente para o suicídio e foi salva pelo choro do filho Carlos Teixeira, à época com dois anos. Nunca disse a ninguém que não guardava nenhuma mágoa dos opressores, mas admitia acertar contas com alguns de seus algozes. O depoimento é um pedacinho da história de quem viveu durante 17 anos com o pseudônimo de Marta Maria da Costa, conheceu o guerrilheiro Ernesto Che Guevara, foi convidada por Fidel Castro para morar em Cuba e educar os filhos. Um deles, Isaac, formou-se em Medicina – relata José Euflávio.
Vall e equipe da TV Assembleia produziram outros documentários importantes, um dos quais versando sobre a figura de Assis Chateaubriand, chamado “Rei do Brasil”, que criou o império dos Diários e Emissoras Associados na Paraíba. A saga de Elizabeth situa-se, naturalmente, em outro plano. Um dos integrantes da produção das filmagens de “Cabra Marcado”, o cineasta Vladimir Carvalho, radicado em Brasília, acompanhou Elizabeth até o Recife, de onde ela tomou rumo para escapar à senha dos militares. Com a assinatura de Eduardo Coutinho, o filme “Cabra Marcado para Morrer” teve cenas com a participação de camponeses do engenho Galiléia, que foi embrião da luta do líder contestador Francisco Julião. A história de João Pedro e de Elizabeth é um prolongamento da história das Ligas, fenômeno que chegou a causar impacto nos Estados Unidos, no governo do presidente John Kennedy. As informações alarmistas que chegavam a Washington davam conta de que o Nordeste caminhava para se transformar em um novo Vietnã. Os americanos tinham trauma da guerra do Vietnã, pelo qual são crucificados até hoje.
A casa de Elizabeth Teixeira foi invadida por policiais, com um carro carregado com um tambor de gasolina para queimá-la e a seus filhos. Quando eles invadiram a casa e começaram a espalhar a gasolina, ficaram na dúvida se queimavam ou não. Maria José, filha de Elizabeth, que tinha oito anos, nunca esqueceu a cena trágica. Ao chegar a João Pessoa, Elizabeth decidiu procurar o Exército porque não queria ser presa pela polícia. Então, foi para o Primeiro Grupamento de Engenharia, onde ficou recolhida numa cela. Seu filho, Abraão Teixeira, que tinha sido liberado pelo Exército, conseguiu contato com a família. Abraão tinha uma bolsa de estudos dada pelo presidente João Goulart, que fora deposto. A bolsa foi cortada pelo Exército. Como vocalizou José Euflávio, há muita história a ser contada sobre João Pedro Teixeira e Elizabeth. A TV Assembleia, com certeza, prestará uma valiosa contribuição com o documentário que começa a tomar forma sob a coordenação e o olhar crítico de Vall Franca.
Nonato Guedes