Apesar de alguns avanços registrados no projeto de transposição das águas do rio São Francisco, o Nordeste ainda convive com os efeitos da seca prolongada que afetou a produção agrícola e industrial e provocou prejuízos bilionários. É o que revela uma ampla reportagem publicada em caderno especial pela revista “CartaCapital”, que faz referência a um levantamento da Confederação Nacional dos Municípios apontando que entre 2013 e 2015 a estiagem acarretou um prejuízo de 103,5 bilhões de reais na região, cifra que tende a crescer, pois a seca continua.
Nos próximos meses, principalmente a partir de novembro, quando se inicia o período das chuvas, a atenção estará em São Pedro. Chuvas acima da média serão fundamentais para a região começar a regularizar seus reservatórios. No curto prazo, campanhas de racionalização estão em vigor em várias capitais e cidades, enquanto no interior dos Estados o drama é mais intenso. O sinal amarelo está aceso. Para João Suassuna, pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco, do Recife, a crise é resultado da falta de chuvas combinada com a ausência de planejamento, gestão e influências políticas.
Na Paraíba, o anúncio pelo governo do Estado do fim do racionamento de água em Campina Grande provocou protestos de líderes políticos locais como o prefeito Romero Rodrigues e o senador Cássio Cunha Lima, ambos do PSDB, que consideraram temerária a providência. O governador Ricardo Coutinho, do PSB, deixou claro, no entanto, que o fim do racionamento foi precedido de estudos técnicos abalizados atestando que o volume de água em reservatórios como o de Boqueirão, somado às águas oriundas da transposição, é suficiente para garantir tranquilidade à população. Há dez anos, o açude de Boqueirão de Cabaças, na Paraíba, atendia à cidade de Campina Grande e outros oito municípios ao redor. Hoje são 18 cidades atendidas. A represa de Castanhão, no Ceará, que opera abaixo de 10% da sua capacidade, tem um volume de 6,7 bilhões de metros cúbicos por dia.
Eixo Norte ainda em construção – A transposição do rio São Francisco é considerada a principal obra federal para abastecer o Nordeste e, apesar de ter avançado nos governos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ainda não foi concluída. O Eixo Leste foi entregue em abril e vai beneficiar 4,5 milhões de habitantes em 168 municípios que sofrem com o longo período de seca e estiagem nos Estados da Paraíba e de Pernambuco. O Eixo Norte, que ampliará o abastecimento no Ceará e no Rio Grande do Norte, está em construção e deverá ser inaugurado somente em 2018. O Canal do Sertão Baiano (transposição do Eixo Sul do São Francisco), com 312 quilômetros de extensão, de Juazeiro à Barragem de São José do Jacuípe, reivindicação principalmente do governo da Bahia, teve seu estudo de viabilidade técnica e econômica concluído em 2013 mas faltam recursos para a obra. O secretário da Casa Civil, Bruno Dauster, afirma: “Bancamos o projeto, que está em Brasília há alguns anos”. Para que a água possa ampliar o abastecimento da população, faltam obras de quilômetros de adutoras dos Estados, boa parte delas financiadas com recursos da União.
Conforme a “CartaCapital”, um exemplo está em Pernambuco, que conta com a construção dos pouco mais de 1,3 mil quilômetros de adutoras que farão o projeto de transposição do São Francisco atender 2 milhões de moradores. A primeira etapa, que recebe 90% de recursos da União e 10% do governo estadual, prevê investimentos de 1,4 bilhão de reais. Hoje, com a conclusão do Eixo Leste, são atendidos pouco mais de 35 mil pernambucanos em apenas um município. Faltam ainda 580 milhões de reais para o término da primeira etapa da obra, prevista para ser entregue nos próximos meses e que poderia ampliar o abastecimento para 17 cidades e 800 mil pernambucanos. Roberto Tavares, presidente da Compesa, companhia estadual que atua em Pernambuco, diz que há risco de paralisação e adverte que essa primeira etapa é essencial para a construção da tubulação e o tratamento da água. “Só assim poderemos deslanchar a segunda fase, que ampliaria o abastecimento para 45 cidades e beneficiaria dois milhões de pernambucanos”, adiantou. O governo estadual tenta liberar 40 milhões de reais para o projeto.
A construção da segunda etapa tem sido pauta de conversas entre os governos federal e de Pernambuco e mostra os desafios que mesmo após a sua conclusão terão que ser transpostos. Tavares lembra o pacto assinado em 2005 entre a União, Paraíba, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Os Estados comprometiam-se a pagar pela água e recebiam algumas contrapartidas. No caso de Pernambuco, a construção das adutoras do Agreste, financiada em sua maioria por recursos do governo federal. “A conclusão é essencial para melhorar o abastecimento hídrico e a transposição fazer sentido para a população”, ressalta Tavares.
Os termos do pacto têm outro peso. A União estuda lançar uma Parceria Pública-Privada para a operação e manutenção das obras de transposição do rio São Francisco. Boa parte dos municípios tem baixa renda per capita e baixo Índice de Desenvolvimento Humano, o que exigiria a existência de subsídios cruzados. “É preciso discutir o modelo a ser aplicado e os preços”, aponta Tavares. O pagamento da água pelos Estados também dependeria da execução do acordo de 2005, ou seja, da conclusão das obras federais e daquelas tocadas pelos governos locais, que contam com financiamento da União. Isso poderá abrir um debate entre governadores e Brasília no momento em que a crise fiscal aperta as contas de ambos os lados. Operar e manter as obras de transposição, depois de concluídas, será um desafio. “Fazer a obra é fácil, manter e operar é o mais importante”, diz Tavares.
Na Paraíba, técnicos detectaram em agosto que 20 milhões de metros cúbicos de água não chegaram aos reservatórios. Foram perdidos no caminho, provavelmente captados por fazendas próximas à obra. Os Estados movimentam-se para reduzir os efeitos da crise, recorrendo à distribuição de milhares de cisternas para escolas rurais e agricultores familiares. O Ceará abriu 3,8 mil poços no interior. Há um esforço concentrado para tornar viáveis os reflexos da transposição na situação econômica e financeira das populações, além de tornar efetivo o abastecimento de água.
Por Nonato Guedes