No transcurso, hoje, dos 22 anos da morte do ex-governador Antônio Mariz, o que avulta é o somatório de lições que o grande homem público deixou, legado que foi fruto de uma trajetória focada na ética e que contribuiu para que dele se firmasse a imagem de um político diferente – ou singular, na definição oportuna do ex-deputado federal e discípulo Inaldo Leitão. As lições herdadas de Mariz são mais atuais quando se leva em conta que o Brasil, hoje, é um pântano de imoralidades e que muito das ações nefastas decorre do comportamento de integrantes de uma classe política desgastada e desacreditada.
Mariz sempre pautou sua biografia, além do culto à Ética, pelas atitudes concretas de destemor quando isto se fazia necessário e de solidariedade permanente com as causas dos injustiçados, dos segmentos marginalizados dentro da sociedade. Ele fazia a leitura das contradições de sistemas políticos e modelos sociais gestados ao longo dos tempos e adaptava essa leitura às suas convicções para operar mudanças, como agente político relevante que sempre foi. Relata Inaldo Leitão que antes da chegada de Mariz a Sousa, a política da terra de Bento Freire não saía da mesmice. Havia o monopólio de oligarquias tradicionais locais – e Mariz era a novidade. Tendo estudado na Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, com intensa militância no “Caco” e estudado Ciências Políticas em Nancy, na França, estava como Promotor de Justiça concursado da comarca de Antenor Navarro (PB) depois de uma passagem pelo mesmo cargo na cidade de Martins (RN).
O caminho de Mariz foi o do PTB, lançando-se candidato a prefeito ante a descrença geral sobre suas chances. Enfrentava de peito aberto o grupo Gadelha e mostrou que não era apenas um figurante. Adotou um discurso inovador, contra o atraso nas relações de trabalho, pregando a necessidade da reforma agrária na linha das reformas de base do governo do presidente João Goulart. E, no campo da transparência, radicalizou. Assumiu o compromisso público de prestar contas de cada centavo que entrasse e saísse dos cofres da prefeitura. É evidente que a atuação de Mariz despertou reações. Ele foi acusado de comunista e subversivo, acusação que não foi suficiente para barrar os passos do jovem advogado e brilhante orador. Empossado, foi depois afastado do cargo, preso e submetido a um IPM perante o Grupamento de Engenharia em João Pessoa. Voltou ao poder nos braços do povo. A sua gestão em Sousa era revolucionária, operosa, modelar para a Paraíba e para todo o país.
Como deputado federal, mesmo no período em que atuou na Arena, partido do regime militar, Antônio Mariz tornou-se respeitado pela postura de independência, altivez, coragem cívica desassombrada. Em 78, aceitou concorrer ao governo do Estado pela via indireta, em processo na Assembleia Legislativa – e aproveitou o ensejo para denunciar a farsa do processo que excluía o povo da participação direta nas decisões que iriam refletir sobre o seu destino. Mariz emprestou o verniz popular a uma maratona que parecia confinada a gabinetes privilegiados do poder. Ele foi o anticandidato que mais tarde Ulysses Guimarães iria ser, numa aventura mais alta, em que estava em jogo a presidência da República. Todo esse corolário de atitudes foi forjando o perfil de Mariz aos olhos da opinião pública da Paraíba e do Brasil.
Ele foi excepcional na redação do parecer pelo impeachment de Fernando Collor de Melo, pilhado em atos de corrupção em 1992. Agigantou-se, de outra feita, ao defender o senador Humberto Lucena, ameaçado de cassação no TSE sob alegação de haver usado a Gráfica do Senado para impressão de calendários de final de ano, prática que, como observou Mariz, era comum a todos os parlamentares. Na sua opinião, Humberto estava sendo justiçado publicamente por pagar o preço de ser nordestino e conseguir a proeza de derrotar Nelson Carneiro, representante do Estado do Rio, na luta democrática pela presidência do Senado. Na defesa de Humberto ou na solidariedade que lhe repassou, Mariz produziu um verdadeiro libelo contra as elites retrógradas enquistadas na política e no Judiciário brasileiro.
Antônio Mariz faz uma falta enorme nesta conjuntura de escândalos em que quase ninguém é poupado. Felizmente há o registro dos seus pronunciamentos, há as imagens da sua atuação vibrante, destemida, corajosa. Há a expressão palpável dos gestos de solidariedade que legou em vida como a deixar claro que a sociedade deve se pautar pela justiça social. É tudo isto e muito mais que a Paraíba reverencia hoje no transcurso dos 22 anos de sua morte. Como se quisesse dizer: “Mariz vive, na força dos seus ideais!”. É este o sentimento que acomete a maioria dos paraibanos.
Nonato Guedes