Não bastasse a sangria de quadros enfrentada na esteira de escândalos que ganharam vulto com o “petrolão”, o Partido dos Trabalhadores depara-se com incógnitas perturbadoras para as eleições gerais de 2018 que atendem pelos nomes de Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva. A ex-presidente, primeira mulher-alvo de impeachment na história política brasileira, não parece entusiasmada com a perspectiva de concorrer a um mandato legislativo, de preferência o Senado. E o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que no reverso da medalha está cheio de apetite para disputar novamente o Planalto, não tem garantia de que venha a ser elegível na batalha das urnas do próximo ano.
Lula é a grande esperança dos petistas para a retomada do poder. Ele encarna sentimentos de revanchismo que pipocaram depois do impeachment de Dilma e da temporada de acusações e prisões de líderes exponenciais do Partido dos Trabalhadores. Alguns dos quadros que vinham sendo preparados internamente para defender as cores do PT em eleições importantes ficaram inevitavelmente chamuscados, como José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil e Antonio Palocci, ex-ministro e conselheiro de Lula, que de dentro do presídio resolveu disparar contra Lula, acusando-o de receber propinas em pacotes de 30, 40, 50 000 reais. Palocci, o “italianinho” de certas gravações em poder da Federal, esteve no centro das mais importantes decisões do PT nas últimas duas décadas. Pode ser acusado de muita coisa, menos de não conhecer os segredos do PT e dos seus dirigentes. Para manter acesa a chama, Lula idealizou uma caravana que já percorreu o Nordeste e que mira em outras regiões para os próximos meses. Mas Lula está condenado pelo juiz Sergio Moro, um dos executores da Lava-Jato e corre o risco de tornar-se “ficha suja”, impedido ou inabilitado para concorrer a mandatos no próximo ano.
No que diz respeito a Dilma, ela já confidenciou que não tem estômago para conviver, eventualmente, no Senado, com políticos que votaram pelo seu impeachment. Na Câmara Federal, outra alternativa ao seu alcance, a convivência seria ainda mais problemática, pela grande quantidade de parlamentares que disseram “Sim” ao seu afastamento da presidência da República. Dilma entrou na política como uma espécie de “poste”, invenção do ex-presidente Lula numa época em que elegia qualquer pessoa, qualquer coisa, a cargos políticos. Mas a ex-presidente nunca foi absorvida pelos petistas históricos que sempre a consideraram uma viúva do brizolismo (referência ao caudilho Leonel Brizola, que certa vez se referiu a Lula como um sapo barbudo difícil de engolir). Além do mais, as recentes denúncias de corrupção que habitam o universo político passaram a respingar simultaneamente em Lula e em Dilma. O PT saiu das páginas do noticiário político para tornar-se frequentador assíduo das páginas do noticiário policial – e com integrantes de grande peso na sua história.
Todo o cenário, em tese, conspira contra a sonhada reabilitação dos petistas em alto estilo nas eleições de 2018. A discussão sobre a elegibilidade ou não do ex-presidente Lula vai consumir boa parte da pauta de 2018 e manterá a estrela maior do PT ocupada em tratativas jurídicas e políticas. A reorganização do Partido dos Trabalhadores em nível nacional será dificultada pelos problemas que atingem suas estrelas. O PT não terá tempo de se beneficiar dos desacertos do governo do presidente Michel Temer porque será chamado a cozinhar-se nas próprias banhas, defendendo-se da chusma de acusações e de indiciamento em processos e inquéritos que estão vindo à tona. Ainda que Temer não avance em termos de popularidade e não seja candidato à reeleição, o PT igualmente estará na berlinda, ameaçado de não ressuscitar com força política, tal como estão sonhando seus adeptos, militantes ou filiados. As eleições do próximo ano deverão ser completamente atípicas do ponto de vista da predominância de figuras sem maiores vínculos com a atividade política, tal como se dá com João Doria, o prefeito de São Paulo.
Sobre Dilma, abstraindo processos que possam vir a indiciá-la de agora em diante, cabe lembrar que em meio ao processo de impeachment que a alcançou foi bafejada por uma espécie de anistia costurada de forma demagógica pelo senador Renan Calheiros, que era presidente do Senado. Ao pé da letra, a regra do impeachment previa suspensão dos direitos políticos de Dilma por quase uma década – foi assim que aconteceu, por exemplo, com o primeiro presidente a enfrentar impeachment na história do Brasil, Fernando Collor de Melo. Renan, entretanto, aproveitando-se da confusão generalizada que cercou o novo processo de impeachment, insinuou que Dilma já estava sendo punida ao ser destituída do cargo e que suspender seus direitos políticos equivaleria a uma cassação dupla. A ex-presidente foi poupada, então, da segunda pena. Mas de nada terá valido a orquestração se ela renegar qualquer pretensão de candidatar-se no ano vindouro. Aliás, para falar a verdade, o grande interesse de Dilma é voltar a ter Lula na presidência da República.
As incógnitas são perturbadoras porque praticamente sinalizam para a derrocada política do Partido dos Trabalhadores. Deixará de haver, também, a polarização PT X PSDB, que já estava enchendo o saco de uma boa fatia do eleitorado brasileiro. Não há grandes favoritos para 2018 se levarmos em conta que o ex-presidente Lula está praticamente inelegível. É como se o país fosse retomar do zero em termos políticos. Até que não seria mal – se houvesse a certeza de que males como a corrupção estariam extirpados nessa metamorfose. Mas quem nos garante isto?
Nonato Guedes