Assino embaixo da opinião de Murillo de Aragão, em artigo na “Istoé”, de que o mundo político está naufragando no Brasil mas paradoxalmente o sistema continua funcionando. Quem pontifica, todavia, é o Judiciário, daí a referência a Têmis, a deusa da Justiça. Isto se dá porque o Poder Executivo está limitado por suas contradições e o Legislativo está fragmentado, sob investigação e sem consenso. A vigência do império do Judiciário na conjuntura brasileira é considerada algo inédito na história política do Brasil – e levou o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a aludir à república de juízes e promotores. Para o bem e para o mal.
Pelo menos quatro fatores elencados por Murillo de Aragão contribuem para favorecer o predomínio do Poder Judiciário na relaçãao política nacional. O primeiro deles é a incapacidade de o mundo político esboçar uma reação conjunta e coerente frente aos eventos que são derivados da chamada Operação Lava Jato. Na Itália e na Espanha, que viveram escândalos políticos semelhantes, conseguiu-se esboçar reações. A inércia no caso brasileiro, contudo, decorre tanto do comprometimento do mundo político com práticas questionáveis ética e judicialmente, quanto pela qualidade das lideranças que compõem a elite representativa, incapazes de justificar o injustificável ou de se opor à marcha inexorável dos acontecimentos.
Um segundo fator – conforme o articulista – resulta da crescente fragmentação do Congresso Nacional e de sua consequente incapacidade de decidir questões complexas. “Existem simulacros de partidos e privilégios demais para microlegendas e partidos de aluguel. Tudo debaixo de uma imensa complacência do mundo político. Por outro lado, o Judiciário tem sido chamado a decidir questões do âmbito político em um fenômeno conhecido como judicialização da política. Como disse o ministro Luís Roberto Barroso, também do Supremo, a judicialização é um fato. Curiosamente provocada pelo mundo político e estimulada pelo excessivo detalhamento de nossa Constituição.
O terceiro fato apontado por Aragão relaciona-se com essa judicialização da política, que tem levado a um ativismo crescente por parte de juízes e promotores, que testam ao máximo os limites da lei e acabam “legislando”, preenchendo lacunas do sistema legal. O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, terminou por decidir sobre a questão da fidelidade partidária e do financiamento de campanha na reforma política, sobre a união homoafetiva, o aborto, entre outros tantos temas cuja legislação era insuficiente ou inexistente. Outro efeito do ativismo é a explosão de decisões monocráticas em ações de controle concentrado no Supremo Tribunal Federal. Foram 191 decisões em 2010. Esse ano elas chegam a 334.
O quarto fator reside na tendência inexorável de punição aos políticos envolvidos nas investigações da Lava-Jato. No curto prazo, um número relevante de políticos com mandatos poderá ser impedido de concorrer às eleições de 2018. Assim, o que se apresenta – conclui Aragão – é um quadro nebuloso: teremos uma devastação nas cúpulas partidárias ou apenas a derrocada seletiva de uns e outros? Não há como fugir de um cenário de perdas. O futuro do atual mundo político está nas mãos de Têmis, a deusa da Justiça. Que ela não tarde nem tampouco falhe. Cabe argumentar, ainda, que é por causa da inação política efetiva que há espaço na sociedade para manifestações intempestivas como a de um certo general Mourão, a pregar intervenção militar no país.
Essa questão da intervenção militar é uma fórmula recorrente no país. Nós já vivemos a experiência malsinada decorrente do golpe ou da quartelada que se instaurou entre a noite de 31 de março e a madrugada de primeiro de abril de 1964. Fomos submetidos a um longo período de trevas. O Mourão de 2017 é uma figura caricata como foi o Mourão que em 64 saiu com tropas de Juiz Fora e acelerou a intervenção militar. 0 calendário é que é outro. São outros os tempos – o que nos permite, pelo menos, deduzir que Mourões como o de agora não têm lugar na História.
Nonato Guedes