Há quem considere a decisão do advogado Antonio Claudio Mariz de largar a defesa do presidente Michel Temer como sintomática das dificuldades que estariam ocorrendo para provar inocência do governante perante as denúncias sobre atos ilícitos cometidos à frente do mandato. Formalmente, a alegação invocada por Mariz foi outra: a incompatibilidade decorrente do fato de ter sido advogado do operador financeiro Lucio Funaro, que tem feito acusações contra o presidente da República. Estaríamos, então, diante de um fator de natureza ética – o auto-impedimento de Mariz para seguir em frente na missão a que estava destinado.
Independente disso, é crítica a situação do presidente Michel Temer. Além de deter apenas 5% de aprovação, o que confere ao seu governo uma ilegitimidade absurda, Temer optou por repetir a tática que alguns políticos já utilizaram e na qual nem sempre foram bem-sucedidos: a de brigar com os fatos. O presidente gravou um vídeo reproduzido em redes sociais, no qual se declara vítima de uma conspiração e manifesta a convicção de que a denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República será barrada pelo plenário da Câmara. É falacioso o argumento porque, na prática, não há conspiração alguma em andamento. Temer tem sido acusado de práticas nada republicanas – e infelizmente não tem oferecido respostas conclusivas que venham a ter o mínimo de credibilidade.
“Sabe-se que contra mim armou-se conspiração de múltiplos propósitos. Conspiraram para deixar impunes os maiores criminosos confessos do Brasil, finalmente presos, porque sempre apontamos seus inúmeros delitos. Lançaram contra mim provas forjadas e denúncias ineptas produzidas em conluio com os malfeitores” – tergiversou o presidente da República. É um expediente que não cola nem comove a opinião pública, relativamente informada de fatos graves que estão afetando a própria autoridade de Temer para conduzir o governo que empalmou após o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. As acusações – e este é um aspecto grave – não envolvem apenas o presidente da República, mas também ministros de sua extrema confiança, tais como Moreira Franco e Eliseu Padilha.
Antes de deixar o cargo, o procurador-geral da República Rodrigo Janot denunciou Temer ao Supremo Tribunal Federal sob a acusação de obstrução da Justiça e de participação em organização criminosa que teria sido contemplada com pelo menos 587 milhões de propinas. De conformidade com entendimento firmado ontem, pela Câmara dos Deputados, o caso de Temer e seus dois ministros seguirá conjuntamente para a Comissão de Constituição e Justiça da Casa, ambiente em que os três disporão de até dez sessões para apresentarem suas defesas. Mas o STF só pode analisar a acusação contra eles se forem registrados os votos de 342 dos 513 deputados federais. A primeira denúncia, isolada, contra Temer, foi rejeitada em plenário. Na segunda, faltou quorum, ontem, para a leitura e definição da aceitação ou não.
Com isso, o caso poderá começar a tramitar na segunda-feira, caso haja quorum, ou na terça-feira. Depois de ser lida em plenário, a denúncia é despachada para a Comissão de Constituição e Justiça. No mesmo dia, Michel Temer e seus ministros serão notificados para a apresentação das respectivas defesas. Este é o ritual que está previsto em dispositivos regimentais e constitucionais. Mas o desfecho da querela ainda é difícil de se prever, exatamente porque o governo Temer vale-se de instrumentos de pressão e barganha junto a parlamentares para não ser condenado. A origem do prolongamento dessa crise é conhecida: se tivesse havido o impeachment simultâneo da chapa Dilma-Temer, o país teria provavelmente avançado em relação ao impasse. Como nada disso aconteceu, segue-se um estágio de banho-Maria que é um convite à letargia das instituições – inclusive, da presidência da República.
Nonato Guedes