O frade dominicano e escritor Carlos Alberto Libânio Christo, Frei Betto, mineiro de Belo Horizonte, pronuncia palestra amanhã às 19h na Sala de Concertos do Espaço Cultural, em João Pessoa, como parte do Ciclo de Debates “Pense”, que aborda a conjuntura nacional e a realidade do nosso Estado. Frei Betto foi preso dois meses após o golpe militar de 64, permanecendo 15 dias detido. O segundo cárcere foi mais longe, entre 1969 e 1973, e mais cruel: o frade foi submetido a sessões de torturas nos porões do DOI-Codi, em São Paulo, comandado pelo coronel Brilhante Ustra. Autor de três livros sobre os anos de chumbo, Frei Betto relata que o Ato Institucional Número Cinco e o aumento da perseguição a religiosos, assim como a ascensão de bispos progressistas, provocaram uma reviravolta na Igreja, que passou a se opor aos militares até o final do regime, com a chancela do Vaticano.
Em depoimento que concedeu a UOL, por ocasião dos 50 anos do golpe de 1964, Frei Betto afirmou que a CIA, agência de espionagem do governo dos Estados Unidos, financiou a Igreja brasileira em marchas pró-golpe militar, a exemplo das famosas “Marchas Com Deus e pela Liberdade” que tiveram repercussão, sobretudo, em São Paulo. Revelou, ainda, que o golpe, na verdade, foi no dia primeiro de abril e não no dia 31 de março, como alardeado pelos militares. “Essa história de 31 é invenção dos milicos porque tinham vergonha do primeiro de abril. O golpe foi oficialmente no dia primeiro de abril, quando o ex-presidente João Goulart saiu do Brasil e se refugiou no Uruguai. Eu estava participando do Congresso Latino-Americano de Estudantes, em Belém, no Pará”, adiantou.
O congresso estudantil, conforme o seu relato, foi desfeito porque dele participavam estudantes de quase todos os países da América Latina, muitos deles acostumados a golpes militares. “Eles sentiram que a coisa ia endurecer”, frisou. Frei Betto contou que ele e outros militantes esperavam uma reação das forças de esquerda, do PCB, da Ação Popular ou das Ligas Camponesas, mas essa reação nunca veio. “Praticamente os militares assaltaram o poder sem precisar dar nenhum tiro. A rsistência não houve porque era um blefe. A esquerda, realmeente, não estava suficientemente organizada. Primeiro, não acreditava que houvesse um golpe, diante do mito de que o presidente João Goulart controlava as Forças Armadas. Mas o dispositivo militar do presidente era só lenda mesmo. Por sua vez, a esquerda era muito mais discursiva, ideológica, sem, entretanto, ter capacidade de mobilização popular como imaginávamos que tinha ou se esperava que tivesse para reagir ao golpe”, assinalou Frei Betto.
O pai do religioso já tinha vivido sob uma ditadura – a de Getúlio Vargas e fora preso nos anos 30, tendo que deixar o Rio de Janeiro, onde exercia a advocacia, e voltar a Minas Gerais porque as forças leais a Vargas cercearam qualquer possibilidade dele conseguir emprego. “Ele me descrevia a ditadura como uma coisa cruel, assassina, com censura, sem nenhuma liberdade de expressão”, narrou Frei Betto, dizendo que começou a esperar que a mesma coisa viesse a acontecer após o golpe de 64 e que foi atingido na pele só no dia seis de junho de 64 quando voltou ao Rio, onde morava, e foi preso com a direção da JEC, da JUC (Juventude Universitária Católica) e da Ação Católica, pelo serviço secreto da Marinha na madrugada de 5 para 6 de julho. Ele foi levado inicialmente ao comando da Marinha, na praça Mauá, centro do Rio, onde foi torturado, interrogado e transferido para a Ilha das Cobras, no quartel de fuzileiros navais. A liberação dele e de outros presos políticos deu-se sem que tivesse havido processo formal.
A palestra de Frei Betto é aguardada com grande expectativa em João Pessoa diante da atualidade do tema do golpe militar, após declarações do general Hamilton Mourão, baseado em Brasília, de que se houver convocação haverá nova intervenção militar. O prognóstico do militar causou repúdio de líderes políticos que são filiados a partidos democráticos no Brasil e no exterior. No governo do presidente Michel Temer, que se investiu com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, prometeu que o militar seria punido por indisciplina, mas a verdade é que Hamilton não sofreu nada e ainda foi elogiado por companheiros de farda. Um dos livros de Frei Betto trata de conversas que ele manteve com o falecido líder cubano Fidel Castro sobre a religião. Fidel falou a Frei Betto durante 23 horas.
O religioso dominicano, na entrevista que concedeu a UOL, afirmou que havia a expectativa de que os militares golpistas em 1964 não tivessem respaldo da opinião pública. “Mas nos enganamos. A ditadura não s[o foi se aprimorando na sua crueldade, no seu desrespeito aos direitos humanos, principalmente a partir de 1968 com o AI-5, como também durou 21 anos, o que ninguém esperava que acontecesse”. Na opinião de Frei Betto, os primeiros bispos progressistas que surgiram no cenário brasileiro foram dom Helder Câmara, de Olinda e Recife, dom Waldyr Calheiros, de Volta Redonda, e dom José Vicente Távora, de Aracaju. “O papa Paulo VI não se posicionou no início. Mais tarde, o Vaticano veio a censurar a ditadura. Porque, com o tempo, a repressão se estendeu também à Igreja e daí criou-se não s[o uma divisão na Igreja como a própria CNBB foi se afastando da ditadura. A partir dos anos 70, a CNBB foi praticamente a grande voz de deefesa das vítimas da ditadura”, finalizou Frei Betto.
Por Nonato Guedes