O presidente Michel Temer esgotou o quanto pôde o arsenal de instrumentos à sua disposição para “sensibilizar” deputados a não acolherem a denúncia contra ele, oriunda da Procuradoria-Geral da República. Com a caneta nas mãos e mirando no fisiologismo de políticos que ele conhece muito bem, loteou cargos, barganhou emendas e verbas, fez o diabo para não sair afetado. Escafedeu-se e ganhou sobrevida para continuar despachando no Palácio do Planalto. Com o “consumatum est”, ou seja, o início da tramitação de acusação por obstrução judicial e organização criminosa, o peemedebista passou a dar tratos à bola com vistas a salvar o restante do mandato a qualquer custo, mobilizando ministros, assessores e deputados numa verdadeira “blitzkrieg”.
Temer ainda discute o remanejamento em cargos de segundo e terceiro escalões, bem como a liberação de emendas parlamentares e trocas na Comissão de Constituição e Justiça. O fato novo é o jogo duro que passou a ser ensaiado pelos partidos do chamado Centrão, ávidos por mais espaços nos ministérios, como o controle da Pasta das Cidades e a Secretaria de Governo. Temer foi oficialmente notificado na tarde de ontem para apresentar a sua defesa face ao arrazoado da PGR, que originalmente começou na gestão de Rodrigo Janot, o homem das flechas e do bambu, mas que teve sequência com Raquel Dodge, indicada por ele, atropelando hierarquia e mérito. A discussão que concentrava atenções em Brasília dizia respeito ao fatiamento ou não da denúncia, que aalém do presidente envolve os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco. Ao Planalto interessa o oferecimento de denúncia conjunta, com apenas um relator.
Na hipótese de fatiamento da denúncia, um dos ministros, pelo menos, corria o risco de ser afastado, o que agravaria provavelmente a crise política e tornaria o governo vulnerabilíssimo diante da classe política em Brasília. A impressão que se tem é que Temer subestimou as flechas que pudessem voltar a ser disparadas contra ele. A tramitação da acusação no âmbito da CCJ começará hoje e todo o empenho de Michel Temer e dos seus interlocutores é concentrado na obtenção de pelo menos 43 votos para barrar a denúncia. Em tese, o governante mergulha no inferno astral, situação porque já passou a presidente Dilma Rousseff, que acabou sendo alcançada pelo impeachment. Em termos negativos, para o país, sobressai a paralisia que volta a tomar conta do governo federal até que se resolva, para o bem ou para o mal, a questão da permanência de Temer na presidência da República.
A perda de tempo que tem se verificado no desfecho das acusações contra Temer, que chegou a ser gravado por Joesley Batista, dono da JBS, em conversa comprometedora, foi ocasionada pelo “jeitinho brasileiro” cultuado pelos políticos no sentido de empurrar as coisas com a barriga. Apostou-se muito em que Temer estaria altamente fortalecido no bojo dos processos intentados contra ele, até para que o País não fosse submetido a um novo impasse institucional, que tem o condão de, infelizmente, parar tudo – ou quase tudo. Se desde o começo da pendenga tivesse havido denúncia conjunta, contra Dilma e contra Temer, é possível que o enredo estivesse inapelavelmente liquidado, dedicando-se o Brasil a cuidar das suas urgências. Não foi o que aconteceu, entretanto. E os sinais de impasse ainda se desenham no horizonte.
Quando for feita a contabilidade dos estragos que tudo isso tem proporcionado ao Brasil se terá a verdadeira dimensão do prejuízo causado em diferentes esferas. Uma ponta do iceberg é a perda de credibilidade do governo e do país no exterior, o que provoca fuga de capitais ou cautela em aplicações e investimentos em nosso País. Não há clima de segurança – o risco Brasil, desse ponto de vista, voltou a ser um “calo” para o governo e para a sociedade como um todo. O presidente Michel Temer, naturalmente, tem bala na agulha para reverter o processo e acabar de vez com a agonia que, por reflexo colateral, afeta a vida da Nação. Que o ritual seja rápido – pois já foi perdido muito tempo nesse cipoal todo.
Nonato Guedes