A decisão veio precedida de um debate risível entre os juízes, como é qualquer debate que envolva religião. O fato é que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o ensino religioso em escolas públicas pode ter caráter confessional. Com isso, as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica. A decisão desagradou a religiosos, escritores e educadores do ensino religioso.
Antes da votação final, o debate no plenário do STF trouxe comentários como esses: O Estado brasileiro não é inimigo da fé. A separação entre Estado brasileiro e a igreja não é uma separação absoluta. A neutralidade diante das religiões encontra ressalvas” (Dias Toffoli); “Aqui me ocorre uma dúvida interessante: será que precisaremos em algum momento chegar ao ponto de discutir a retirada da estátua do Cristo Redentor do Morro do Corcovado [no Rio de Janeiro], por simbolizar a influência cristã em nosso país (Gilmar Mendes); O Estado, substituindo os dogmas da fé por algo pasteurizado, algo histórico, algo neutro, na verdade ele está impondo o que ele acha que é ensino religioso, contra o que todas as religiões entendem ser ensino religioso, que são os dogmas da fé (Alexandre de Moraes).
Nas redes sociais, choveram críticas à decisão do STF. Coordenadora do curso de Ciências da Religião no campus I da Universidade Federal da Paraíba, a professora Dilaine Sampaio desabafou: Quanto a desastrosa decisão do STF de hoje… Pouco ânimo para comentar tamanho retrocesso. Anos de trabalho de um coletivo imenso de docentes e discentes que atuam na área de Ciências das Religiões são agredidos hoje. A professora Vera Esther Ireland completou: Eu continuo sendo contra o ensino religioso nas escolas. Somos um Estado oficialmente laico, embora isso só valha para algumas coisas. God bless America aqui também. Creio ser uma ilusão pensar que as escolas vão ensinar as várias religiões e a tolerância religiosa. Viram o que passou ontem no Congresso? Não há soneto, só emendas.
Escritores e poetas também se pronunciaram sobre o tema. Sou a favor da Escola sem Igreja. Estado laico já!, disse o poeta paulista Cláudio Daniel. Micheliny Verunschk, pernambucana radicada em São Paulo, narrou: das únicas vezes que fui expulsa da sala de aula fui por uma professora de religião que sistematicamente constrangia e humilhava duas garotas protestantes. era escola pública e a professora, uma beata enlouquecida com o apocalipse, em todas as aulas. Adriane Garcia, poeta mineira, afirmou: Já não bastasse a lavagem cerebral nas igrejas (adeus cinza) agora vão fazer a lavagem também nas escolas. Brasil de ré a cem por hora. E o professor Ivaldo Gomes resumiu com ironia: Depois da decisão de ontem do STF proponho transformar as escolas em igrejas. Ainda vai dá pra cobrar 10% de dízimo. Só vantagem.
O STF analisou uma ação de inconstitucionalidade proposta pela Procuradoria-Geral da República contra o acordo entre o Brasil e o Vaticano e dispositivos da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação, que preveem o ensino religioso nas escolas públicas. O acordo com o Vaticano e o artigo 33 da LDB afirmam que o ensino religioso “constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas”. Enquanto a LDB proíbe “quaisquer formas de proselitismo [doutrinação]”, o acordo com o Vaticano proíbe “qualquer forma de discriminação” e diz garantir “o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil”. A Procuradoria defendia que o ensino de religião nas escolas públicas deve contemplar informações sobre a história e doutrina das diferentes religiões, sem tomar partido entre uma delas. “Uma religião não pode pretender apropriar-se do espaço público para propagar a sua fé, disse o ministro Luiz Roberto Barroso em seu voto.
Por Linaldo Guedes