No transcurso, hoje, dos 25 anos do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo, inquinado pelo seu envolvimento no esquema PC Farias, referência ao seu ex-tesoureiro de campanha que fez fortuna para ele e o “chefe” na base do achaque a gregos e troianos endinheirados, há quem afirme que o ex-caçador de marajás das Alagoas acabou sendo redimido pelos petistas, que diziam ter o monopólio da ética, apresentavam-se como vestais e entraram na História como “aloprados” e “mensaleiros”, espécie de gângsteres que patrocinaram um dos maiores assaltos ao erário público, nas barbas da Lei. Do período Collor guardo lembranças, além do esquema PC Farias, da malsinada Operação Uruguai, inventada às pressas como álibi para a roubalheira institucionalizada que vazava pelos canais públicos.
Entrevistei o então candidato numa manhã de segunda-feira em Brasília, na mansão de um parlamentar paraibano, a quem Collor foi mendigar adesão. Além de mim, estava o jornalista Roberto Lopes, da Folha de São Paulo, conhecido de Collor por ter sido escalado como setorista para acompanhá-lo durante a campanha. Ficou-me na memória o resmungo de Collor porque tratei-o como candidato. Indaguei onde estava a desfeita. Não era desfeita, confessou. “É que costumam tratar-me como presidente”, respondeu, sem pestanejar. Percebi, aí, o que já suspeitava – o lado deslumbrado de Collor. Depois, num encontro da Cnec em Curitiba, para o qual fui convidado pelo doutor Felipe Tiago Gomes, paraibano de Picuí, encontrei o senador alagoano Divaldo Suruagy, adversário de Collor. E pedi-lhe uma entrevista para o “Correio da Paraíba”, no intervalo da agenda da Cnec. Indaguei sobre Collor, óbvio. “O Brasil terá uma enorme decepção se Fernando for eleito. Ele é um embusteiro”, disse-me Suruagy, que tinha imunidade para tratar o candidato pelo prenome, ainda que porfiassem na política das Alagoas, embrenhando-se pelos limites de Canapi.
Collor foi farsante como candidato, farsante como presidente da República. A máscara caiu no debate com Lula quando tentou aparecer como candidato dos descamisados, atribuindo ao seu oponente o apoio ou patrocínio dos mega-empresários. Baixou o nível de tal forma que atingiu Lula na jugular no debate da Globo, publicizando o depoimento de uma ex-mulher de Lula sobre a filha que o então metalúrgico propusera que ela abortasse. Foi aí, nesse episódio, que Lula se desmontou. Perdeu a credibilidade e perdeu votos, ainda que lograsse ir para um segundo turno numa eleição totalmente atípica – tão atípica que o apressadinho doutor Enéias, de um partido chamado Prona, teve mais votos que uma reserva moral e política do país, o doutor Ulysses Guimarães, Senhor-Diretas e Senhor-Constituinte.
“Fernando será a grande decepção”. As palavras de Suruagy retiniam nos meus ouvidos, já em João Pessoa, mas dividido entre a Paraíba e Brasília, onde cumpria estágio no gabinete do deputado conterrâneo Edme Tavares, posto à disposição da Câmara pela Universidade Federal da Paraíba, onde fui funcionário com carteira assinada e da qual saí pela via do Programa de Demissão Voluntária no governo Fernando Henrique e no reitorado do professor Jáder Nunes, um dos meus ilustres padrinhos no casamento com Bernadeth. O problema é que a “decepção” estava ungida, ou eleita, em todas as pesquisas encomendadas ou publicadas. Não convinha brigar com os fatos – e não fiz isto, nas matérias que escrevi para o Correio da Paraíba e para a revista A Carta, do saudoso mestre-amigo Josélio Gondim, amigo pessoal de Fernando. De resto, Lula também não me comovia como eleitor – havia algo de falso encoberto pela sua personalidade. Quando vieram à tona os escândalos do mensalão, petrolão e outros, intuí que minhas análises não eram despropositadas, por mais que chocassem na época. Uma das minhas opções como eleitor não era nem Lula, mas, sim, Leonel Brizola. Acabei sufragando Mário Covas.
Quanto a Collor, era muito mais “marketing” do que candidato ou presidente. Um dos especialistas em mídia dos Estados Unidos, de passagem pelo Brasil, ao vê-lo num Guia Eleitoral, definiu que Fernando tinha “televisão nos ossos”. Não soa estranho, pelo menos para mim, que Sílvio Santos, no último domingo, tenha dito, em tom de ironia, que se tivesse dinheiro contrataria Collor e Dilma para o quadro de apresentadores de telejornal no SBT. Uma dupla e tanto, cogitou SS com seus botões. Dilma, nem tanto, nem de longe. Collor…foi até dono de concessionária de televisão em Alagoas. A verdade, verdadeira, é que ele sempre trabalhou com imagem, não com conteúdo. Era de um artificialismo de dar pena aos letrados. Mas tinha carisma, dizia-se. Ficou provado que sim, a um preço muito alto para o Brasil e os brasileiros.
Fernando Collor e o impeachment são História – e a opinião pública brasileira conhece o enredo de cor e salteado, não adiantando, a esta altura, ilações ainda sobre tudo o que aconteceu naquela que foi a primeira eleição direta para presidente da República depois da longa noite das trevas. O que cabe perguntar é o seguinte: e hoje? Como está o Collor? Eis o problema: não está. Quero dizer melhor: não está em evidência, não se consolidou como vítima. Exerce um mandato extraído das urnas das Alagoas, onde ainda há fanáticos e fanáticas pelo ex-caçador de marajás. Mas, eis a questão. É um senador apagado. Um homem que foi presidente da República, que tinha pinta de Indiana Jones tupiniquim, é um apagado senador das Alagoas. E ainda por cima, volta e meia, frequenta páginas policiais, por esse ou aquele motivo. É como se esse último capítulo fosse recorrente na sua biografia. Ou, dizendo melhor, fosse a expressão da biografia dele. Que decepção, como prevenia Divaldo Suruagy!
Nonato Guedes