A interação de uma criança com um artista nu, no Museu de Arte Moderna (MAM), de São Paulo, foi de longe o fato mais comentado e polemizado nas redes sociais neste final de semana. Acusações de pedofilia, de coisa de esquerdopata de um lado; acusações de reacionarismo e falso puritanismo de outro… O certo é que ninguém se entendeu, em mais uma demonstração pública da histeria coletiva que vem acometendo os brasileiros nos últimos anos.
Na performance do artista Wagner Schwartz, ele está nu e uma criança de aproximadamente quatro anos toca em seu pé. Alguns detalhes deveriam ser levados em conta pelos que agrediram a mostra apenas pelos vídeos que passaram na internet. Primeiro, que esta performance ocorreu somente na terça-feira (26), na estreia do 35º Panorama de arte Brasileira, tradicional exposição bienal que aborda a arte no país e propõe reflexão sobre a identidade brasileira. Segundo, de acordo com o MAM, o público presente era formado basicamente por artistas e, uma das pessoas que prestigiou a apresentação foi a performer e coreógrafa Elisabeth Finger acompanhada da filha(a garota que tocou no artista).
Há exagero em chamar a mostra de pedófila. Neste sentido, compartilho o comentário do desembargador Antônio Carlos Malheiros, do Tribunal de Justiça de São Paulo, sobre o caso: Chamar qualquer episódio mais insinuante de pedofilia virou uma histeria coletiva. Isso precisa ser afastado. Agora, de fato, a criança não poderia estar presente. Não considero pedofilia, mas é uma ação absolutamente inconveniente para uma criança. Ou seja, esse artista e a própria mãe da criança que estava com ela podem ser advertidos. Mas não vamos chegar ao exagero de achar que era um comando pedófilo. Outro absurdo é afirmar que a mostra é algo produzido pela esquerda. Isso é tão risível que nem vale a pena comentar.
Exagero também acontece do outro lado. Acusar as pessoas que não concordam com tal tipo de mostra ou que não levariam seus filhos para tocar o corpo de alguém nu de reacionários, direitistas, alienados, etc, é outro triste exemplo de histeria. Cada pai e mãe tem a forma de educar seus filhos. Importa se ele educa com ética, respeito às diferenças e honestidade. Não é porque algum crítico ou o tribunal das redes sociais define que tal espetáculo é maravilhoso que vou me sentir na obrigação de levar meu filho. Isso se chama direito de escolha.
Ao que parece, a histeria coletiva em torno de temas como o dessa mostra é uma forma que o brasileiro está encontrando para esconder sua apatia em torno da situação do país. O povo brasileiro vem cada dia mais perdendo seus direitos, o patrimônio da Nação entregue a investidores estrangeiros a preço de banana, o presidente da República envolvido em diversos crimes, diversos políticos corruptos soltos e o povo no comodismo de sua casa, por trás da tela do computador, atirando ódio à esquerda e à direita. Ninguém sai de casa para protestar contra os constantes aumentos da gasolina, mas exercita a histeria contra o colega que diz que não levaria seu filho para tal mostra ou contra uma mostra que tem o caráter meramente artístico.
A preocupação maior em casos como os da mostra do MAM deveria ser a censura à obras de arte. Os tempos de inquisição, de jogar livros na fogueira, pareciam coisa de um passado distante. Não é. Está presente no Brasil de forma acentuada nos últimos anos. Em seu blog no UOL, Miguel Arcanjo elencou dez polêmicas recentes nas artes cênicas, vamos a elas: La Bête (setembro de 2017), O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu (setembro de 2017), DNA de DAN (julho de 2017), Trem de Minas (janeiro de 2017), Blitz O Império Que Nunca Dorme (outubro de 2016), Máfia Exposição Interativa (abril de 2016), Macaquinhos (novembro de 2015), A Mulher do Trem (maio de 2015), Edifício London (março de 2013) e Acordes (2013-2015). Em todas elas, aconteceram reações histéricas e tentativas de censura (algumas chegaram a ser censuradas, como a do Edifício London). Detalhe: em pelo menos duas dela segmentos sociais ligados à esquerda também reagiram pedindo censura. Ou seja: o que deveria estar em jogo é o veto a todo e qualquer tipo de censura a uma manifestação artística. Que se definam faixas de idade para mostras ou manifestações em torno de temas mais polêmicos (como nos filmes). Mas censura, jamais! Parodiando Caetano, diria: E a histeria não censure a arte. Quanto a reações como as do Movimento Brasil Livre, elas só existem porque os que criticam o MBL fazem isso sentados na sala de estar. As pessoas da sala de janta estão hoje preocupadas apenas com suas redes sociais.
Linaldo Guedes