João Cabral Batista (já falecido) foi o presidente da Câmara Municipal de João Pessoa quando eclodiu o movimento militar de 64. Coube a ele presidir sessão histórica em que vereadores cassaram os mandatos de dois companheiros – Antonio Augusto Arroxelas e José Gomes de Lima, o “Zé Moscou”, este último suplente de vereador. Num depoimento ao jornal “A União”, 30 anos depois do golpe militar, que foi inserido no livro “O Jogo da Verdade, Cabral Batista foi enfático: “Veio ordem do Exército para cassarmos Arroxelas Zé Moscou. A cassação foi por unanimidade do plenário, composto por quinze vereadores.
Cabral foi consecutivamente reeleito vereador desde 1947, sendo que na primeira vez foi candidato do Partido Comunista, mas eleito pela UDN. Em 1985, integrou, como candidato a vice-prefeito, a chapa encabeçada por Carneiro Arnaud, eleito à prefeitura de João Pessoa num “acordão” entre o esquema do então governador Wilson Braga e os peemedebistas. Remanescente das lutas de gráficos e linotipistas de jornais, Cabral contou que houve pressão, também, para que fosse cassado o mandato de outro vereador, Nizi Marinheiro, conhecido advogado de lideranças políticas e sindicais. “A Câmara defendeu como pôde a situação de Nizi e evitou sua cassação”. Para Cabral, nos casos das cassações de Arroxelas e “Zé Moscou”, o ultimatum era claro: ou eles eram cassados ou a Câmara era fechada.
Por diversas vezes, na qualidade de presidente do legislativo pessoense, Cabral foi chamado ao comando do Décimo Quinto Regimento de Infantaria para ouvir “ordens” e insinuações sobre as perseguições que estavam a caminho. O “cerco” contra a Câmara prolongou-se por várias semanas. Uma comissão foi formada para ir ao Décimo Quinto RI, da qual faziam parte Mário da Gama e Melo, Edson Cavalcante e Almir Corrêa. A recomendação foi reiterada expressamente: a Câmara deveria promover as cassações. Um dos vereadores perguntou ao major Cordeiro se havia alguma restrição contra Cabral Batista, ao que o militar teria respondido: “Aqui não consta nada contra ele”. Um detalhe: Cabral havia sido militante do Partido Comunista em João Pessoa, operando numa célula junto aos linotipistas de oficinas de jornais locais.
A intimidação à Câmara por parte dos militares tinha formas distintas. Quase toda semana chegava ofício pedindo informações sobre quanto ganhava tal vereador, quem era fulano, etc. A Câmara esteve na mira da famigerada Comissão Geral de Investigações – CGI, que ordenou a exoneração sumária de funcionários admitidos pela Mesa. Os vereadores foram notificados, também, de que o mandato passaria a ser gratuito. “Somente depois de seis meses trabalhando “de graça”, fomos contemplados com uma lei retornando a remuneração para os vereadores. Enquanto isso náo veio, ficou todo mundo caladinho, temendo que acontecesse coisa pior”. Oito dias antes da eclosão do movimento de 64, Cabral fizera discurso na tribuna solidarizando-se com manifestações sindicalistas que ocorriam no Rio de Janeiro e que culminaram com o célebre comício pelas reformas na Central do Brasil. Com todo o seu propalado envolvimento em militância anti-golpismo, Cabral foi poupado de retaliações, o que intrigou colegas – alguns dos quais o consideravam “quinta-coluna”. O ex-vereador alegava ter dificuldades para explicar sua posição incólume diante das perseguições, vagamente atribuindo isso à amizade entre um seu irmão, que era oficial do Exército em Natal, Rio Grande do Norte, e o coronel Rubens, que comandava o Décimo Quinto Regimento de Infantaria na Paraíba.
Como presidente do Sindicato dos Gráficos da Paraíba, que dirigiu por 18 anos, Cabral expediu correspondências defendendo antigos companheiros e atestando que eles não eram comunistas. Pessoalmente, contribuiu em termos financeiros com o clandestino PCB, comprando exemplares do jornal Classe Operária, que ainda circulou por algum tempo. Ao se referir a Arroxelas e ao ex-deputado Assis Lemos, este preso e torturado em Fernando de Noronha, Cabral opinou que eles eram muito dignos e sofreram como o diabo. A “célula” dirigida por Cabral, chamada “Monteiro Lobato”, operava no jornal “A União”. Cabral jactou-se na entrevista: “Eu devo o que sou à esquerda”. Ele fez uma avaliação crítica sobre as consequências do golpe militar: “Castrou todas as grandes lideranças do país. Com isso, o Brasil custou a fazer novas lideranças e o vazio permanece indefinidamente”.
Nonato Guedes