A história que se segue faz parte do folclore político das campanhas majoritárias na Paraíba, pela singularidade de que se reveste. Na disputa para o governo do Estado em 86, o esquema governista, dividido entre PDS e PFL, cogitou a candidatura do empresário José Carlos da Silva Júnior, então vice de Wilson Braga, ao Palácio da Redenção. Braga seria o grande puxador de votos como candidato ao Senado. Pela oposição apresentava-se como pré-candidato o senador Humberto Lucena, que já tinha aberto mão da indicação no PMDB em outras oportunidades a fim de acomodar adesistas ou premiar quadros históricos do partido.
A candidatura do empresário José Carlos durou pouco. Além de pressionado para ser o trem-pagador da chapa, o proprietário do Grupo São Braz e da TV Cabo Branco intuiu que sua candidatura seria “cristianizada” no decorrer da campanha por não empolgar filiados, militantes e líderes políticos. A crônica jornalística local dava conta de ensaios de “traição” contra José Carlos, que, mesmo assim, desincompatibilizou-se do governo, junto com Wilson, para enfrentar a maratona das urnas. No primeiro comício, na cidade de Cajazeiras, porém, José Carlos sentiu na pele as marcas do abandono. Foi deixado literalmente sozinho no palanque, enquanto Wilson e correligionários saíam em passeata pelas ruas, sem sequer ouvir o discurso do candidato a governador. Na mesma noite, o empresário decidiu retirar-se do páreo, o que ficou consumado no seu retorno a João Pessoa, onde preparou carta comunicando a decisão. Na sequência, viajou para o exterior a fim de esquecer as mágoas e decepções.
Colhido de surpresa, Wilson convoca reunião às pressas do “staff” governista, a qual se deu no escritório de uma repartição do governo na estrada de Cabedelo. Trancado com “cardeais” dos partidos, Wilson impôs a candidatura do então senador Marcondes Gadelha para substituir José Carlos. Gadelha perguntou qual a razão para ser agraciado com tamanha deferência. E Wilson, no seu estilo peculiar, reagiu: “É porque só você pode perder”. Marcondes entrou em parafuso – afinal, foi-lhe dado um argumento que habitualmente não se usa para persuadir políticos a aceitarem desafios. Wilson, então, explicou melhor a sua teoria: como ainda dispunha de quatro anos de mandato como senador, pela frente, Gadelha poderia correr o risco de disputar o governo. Se perdesse, não ficaria sem mandato, já que voltaria para completar a outra metade do mandato no Senado.
“Confesso que foi o mais inusitado dos argumentos que já ouvi numa campanha política como estratégia para “motivar” um postulante a cargo majoritário”, disse-me, depois, Marcondes, quando tudo já havia se encerrado. Ele foi à luta, só que o candidato do PMDB não foi Humberto, mas o ex-governador Tarcísio Burity, que estava com a popularidade em alta e que na undécima hora dos prazos legais assinou ficha de filiação ao PMDB. A campanha de Marcondes sofreu acidentes de percurso, dentro da Lei de Murphy, segundo a qual o que tem que dar errado, dá errado mesmo. Burity, enquanto isso, empolgava as massas de João Pessoa a Sousa e Cajazeiras e ainda colhia os efeitos colaterais do Plano Cruzado, lançado por José Sarney e que funcionou apenas no período da eleição, já que depois a inflação voltou com força total. Na contagem final dos votos, Burity alcançou 296 mil votos – quase 300 mil, de diferença sobre Marcondes Gadelha. Uma vitória acachapante, extraordinária, que fez o senador Humberto Lucena comentar: “O Burity é um fenômeno eleitoral na Paraíba”. Lucena foi reeleito ao Senado em dobradinha com Burity.
Quanto a Marcondes Gadelha, além dos problemas de percurso que enfrentou, foi infeliz na explanação do mote da sua campanha, que pregava a modernização da Paraíba – um tema que ainda não sensibilizava a grande massa, o chamado eleitorado dos grotões interioranos. Burity rompeu, depois, com o PMDB, no bojo de desentendimentos envolvendo a liderança política e partidária, enfrentou dissidência na Assembleia Legislativa e não logrou se repetir no exercício do poder. Quanto a Marcondes Gadelha, tomou-se, de certa forma, de trauma em relação à disputa de cargos majoritários. E está praticamente deixando a política sem conseguir inscrever no seu currículo o honroso cargo de governador com que esperava coroar sua trajetória na política paraibana.
Nonato Guedes