O risco de o crime organizado ampliar sua infiltração na política levou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a acionar os órgãos de investigação e inteligência do governo federal para coibir a iniciativa dos criminosos. A preocupação é com as eleições em todo país, mas no primeiro semestre a Justiça Eleitoral encaminhou para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e para a Polícia Federal um relatório com base na disputa de 2016 no Rio em que aponta a influência de facções criminosas e milícias em 19 zonas eleitorais de sete cidades, incluindo a capital. O crime, porém, já esticou seus tentáculos em outros estados como São Paulo, Amazonas e Maranhão.
O relatório do TSE, ao qual O GLOBO teve acesso com exclusividade, lista todos os candidatos eleitos nessas áreas e tem por base, principalmente, as zonas eleitorais onde a realização das eleições só ocorre mediante reforço de policiamento e regiões que historicamente registram conflitos entre criminosos e forças de segurança. Essas áreas envolvem o voto de 9% do eleitorado fluminense, aproximadamente 1,1 milhão de pessoas.
Os maiores riscos de influência do crime organizado nas eleições, segundo o relatório, estão em 11 zonas eleitorais da capital, uma em Duque de Caxias, duas em Resende e Itatiaia, uma em São Gonçalo, uma em São João de Meriti e três em Niterói.
O Rio é o exemplo mais grave da preocupação do TSE também pelo histórico. Em 2008, uma CPI da Assembleia Legislativa (Alerj) revelou a atuação das milícias e como seus integrantes foram eleitos com a ajuda dos criminosos. A investigação parlamentar levou à perda de mandatos e prisão do ex-deputado estadual Natalino Guimarães e seus sobrinhos e ex-vereadores Jerônimo Guimarães Filho, o Jerominho, e Carminha Jerominho. Eles foram acusados pela CPI de integrarem o grupo que ficou conhecido como Liga da Justiça, grupo de milícias da Zona Oeste da cidade.
O temor da Justiça Eleitoral é que a restrição do financiamento eleitoral ao fundo público aprovado pelo Congresso e a doações de pessoas físicas criem condições adicionais para que o crime organizado financie candidaturas ou para que seus integrantes disputem cargos diretamente. Na avaliação do TSE, o crime pode se tornar o provedor de caixa dois das candidaturas. Parte dessa crença vem das auditorias sobre as doações da eleição municipal. Das 730 mil doações, 300 mil apresentaram problemas junto à Receita Federal porque os doadores não tinham renda compatível para doações.
Apesar do alerta do TSE em relação ao Rio, há vestígios da infiltração do crime na política em outros estados do país. No Amazonas, a Operação La Muralha, que investigava o tráfico de drogas, levou à prisão o ex-vereador de Tonantins, Radson Alves de Souza. Ele fazia parte de um grupo de Tabatinga (AM), que cedia suas contas bancárias para fornecedores de drogas da fronteira do Brasil com a Colômbia lavarem dinheiro. Souza recebia 4% de todos os valores que passavam por suas contas. Ao todo, ele movimentou R$ 1,8 milhão, mais de R$ 820 mil somente em 2015, ano da investigação.
FACÇÃO CRIMINOSA NO AMAZONAS
Em outro processo, uma gravação teria flagrado um diálogo entre um ex-secretário de Segurança do Amazonas e o chefe da facção criminosa Família do Norte. Na conversa, o criminoso revela a intenção de eleger dois deputados estaduais no ano que vem. O áudio, porém, é clandestino e talvez não seja aceito pela Justiça como prova. O procurador que comandou as investigações da La Muralha, Victor Santos, contudo, confirma o interesse dos criminosos.
O que eu posso dizer de forma segura é que a Família do Norte durante o período das interceptações da La Muralha tinha um plano muito específico para inserir seus integrantes no mundo político e financiar a eleição de determinados candidatos.
Em São Paulo, maior colégio eleitoral do país, também já há, na avaliação do Ministério Público, políticos eleitos com o apoio do PCC.
O caso mais notório seria do prefeito de Embu das Artes, Ney Santos (PRB), que é investigado por ligação com o tráfico de drogas e com o crime organizado. O MP chegou a pedir a prisão dele, que só tomou posse na prefeitura em fevereiro deste ano após conseguir um habeas corpus no Supremo. Na sua declaração de bens à Justiça Eleitoral, Santos revelou ter R$ 1,6 milhão em dinheiro vivo. Sua defesa nega o envolvimento com o crime.
Para o promotor de Justiça Lincoln Gakyia, que investiga a facção criminosa há anos, Santos é membro da organização, mas ele é um exemplo isolado, o que não permite dizer que a facção criminosa quer entrar na política como grupo.
A gente não detectou ainda esse movimento. Já houve no passado tentativas de lançar alguns candidatos de alguma maneira para defender os presos. Mas ainda é uma iniciativa isolada afirma Gakyia.
Fonte: O Globo