Saiam, por favor, desse silêncio acovardado. O apelo foi feito pela atriz Fernando Montenegro, em vídeo que começou a circular ontem na web. A fala da artista é dirigida ao que ela chama de poucos políticos honestos do Brasil, em protesto contra a censura a manifestações artísticas e obras de arte.
O vídeo de Fernanda Montenegro integra a campanha #342 Artes Contra a Censura e a Difamação, lançada ontem e que conta com a coordenação da produtora cultural Paula Lavigne. O movimento acontece em resposta à suspensão de exposições como o Queermuseu, em Porto Alegre, e aos protestos contra a performance La Bête, do Museu de Arte Moderna, de São Paulo.
O vídeo de Fernanda Montenegro não é o único da campanha. Há depoimentos de nomes como Caetano Veloso, Cissa Guimarães e Adriane Varejão, entre outros. Mas o movimento não fica restrito à exposição de vídeos em redes sociais. Segundo informações do UOL, artistas ligados ao movimento ainda vão entrar com ações na Justiça contra políticos e grupos que os associaram à pedofilia e à zoofilia por terem defendido as intervenções artísticas. A referência dos artistas é a vídeos publicados pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, e de São Paulo, João Dória.
Depois do acirramento das discussões políticas entre coxinhas e mortadelas, manifestações artísticas como a mostra Queermuseu e a performance La Bête são o que vêm dividindo a população brasileira. De posse dos seus preconceitos, as pessoas não entendem (ou fingem não entender) que a censura é um dos fatos mais graves que pode silenciar um país. Por isso disparam coisas como essas, de um internauta na matéria sobre o vídeo da Fernanda Montenegro: Nunca soube que atentado ao pudor fosse arte; para mim é crime e este bando de pseudos intelectuais deviam ir para cadeia.
Poderíamos chamar alguns desses a favor da censura à determinadas manifestações artísticas como moralizadores. O que é diferente de quem tem de fato sua moral ilibada. A diferença entre o moralizador e o que tem moral naturalmente foi assim definida por Contardo Caligaris, em texto publicado na Folha de S. Paulo março de 2008: Depois de um bom século de psicologia e psiquiatria dinâmicas, estamos certos disto: o moralizador e o homem moral são figuras diferentes, se não opostas. O homem moral se impõe padrões de conduta e tenta respeitá-los; o moralizador quer impor ferozmente aos outros os padrões que ele não consegue respeitar. (…) Mas a imposição forçada de um padrão moral não é nunca o ato de um homem moral, é sempre o ato de um moralizador. Em geral, as sociedades em que as normas morais ganham força de lei (os Estados confessionais, por exemplo) não são regradas por uma moral comum, nem pelas aspirações de poucos e escolhidos homens exemplares,mas por moralizadores que tentam remir suas próprias falhas morais pela brutalidade do controle que eles exercem sobre os outros. A pior barbárie do mundo é isto: um mundo em que todos pagam pelos pecados de hipócritas que não se aguentam”.
Linaldo Guedes