O acidente com Ulysses Guimarães pode ter entrado para a coletânea de lendas do anedotário nacional, mas é de lembrança bem real na cabeça de quem, por ofício ou coincidência, ajudou nas buscas pelo corpo nunca encontrado. Houve outras vítimas que estavam no helicóptero – dona Mora, mulher de Ulysses, o casal Severo Gomes e Ana Maria Henriqueta e o piloto Jorge Comeratto. O acidente foi em 12 de outubro de 1992, quando caiu no mar o helicóptero em que Ulysses se deslocava de Angra dos Reis (RJ) para São Paulo.
– Os corpos estavam num estado de degradação muito grande, com partes decepadas, mordidos por peixes – diz Manuel Alceu Affonso Ferreira, 74, ex-secretário estadual de Justiça de São Paulo e um dos comandantes da operação resgate. “Tenho essa imagem na cabeça até hoje”, afirma o advogado, que, cumprindo ordens do então governador Luiz Antonio Fleury se mudou durante dez dias para a região onde a aeronave caiu, perto de Paraty (RJ). As buscas duraram 21 dias e envolveram forças de segurança do Estado, bombeiros, Marinha e Aeronáutica, todas as estruturas e tecnologias disponíveis na época. Segundo Manuel Alceu, chegou-se à conclusão técnica de que a única coisa que poderia acontecer seria o cadáver parar em alguma praia.
Ulysses Guimarães foi um dos protagonistas da redemocratização do Brasil e símbolo da Constituição de 1988, denominada Constituição-Cidadã. Foi presidente nacional do MDB, o partido de oposição que sobreviveu na ditadura militar e esteve ameaçado de cassação inúmeras vezes, pelas suas posições contundentes denunciando violações de direitos humanos, torturas a presos políticos, além de reflexos negativos da política econômica que propagandeou o “milagre brasileiro”. O jornalista Carlos Castelo Branco, decano da crônica política por muito tempo, dizia que Ulysses Guimarães crescia na adversidade. Tancredo Neves, por sua vez, na condição de companheiro de jornadas de Ulysses, afirmava: “Ele preside o MDB como se fosse o Supremo Tribunal Federal”.
Ex-deputado e ex-governador de Brasília, José Aparecido de Oliveira observa que o Ulysses, pelas injustiças, era triste como uma estátua. “É um tecelão da História”, emendou. Thales Ramalho, que foi secretário-geral do MDB por muito tempo, afirmou: “Milhões de brasileiros, através de cadeias de estações de rádio que se formaram em quase todos os Estados aonde andarem, ouviram suas palavras; viram levantar-se do grande e demorado silêncio que se abateu sobre o Brasil as suas vozes clamando contra o medo, o ódio, a opressão e a tirania”. Ulysses concorreu a presidente da República por via indireta no Colégio Eleitoral. Era um jogo de cartas marcadas – sabia-se que já estava ungido o presidente de plantão, egresso do ciclo de generais. Mas ele quis denunciar ao mundo a farsa da democracia vigente no Brasil.
Em 89, finalmente restabelecidas as eleições diretas para presidente da República, Ulysses Guimarães inscreveu-se para concorrer, no voto, pelo PMDB. Confiava na receptividade ao seu histórico de lutas em favor das liberdades e dos interesses do povo brasileiro. Ficou decepcionado, porém, com a derrota acachapante – ele ficou num dos últimos lugares da corrida presidencial, abaixo, inclusive, do médico Enéas, que se tornou figura folclórica ao pronunciar discursos monossilábicos e dispor de pouco espaço no Guia Eleitoral. Num dos raros momentos de descontração, Ulysses, natural de São Paulo, afirmou: “Adoro as campanhas políticas. Dão-me transporte, de comer e beber, o melhor quarto da casa, aplausos, votos e ainda me chamam de estadista”.
Folhapress