A decisão do Supremo Tribunal Federal determinando que medidas cautelares contra deputados e senadores devem receber aval do Congresso causa estranheza e se caracteriza indiscutivelmente como um retrocesso. O procurador Deltan Dallagnol, coordenador da Operação Lava-Jato em Curitiba, foi quem melhor definiu essa resolução, ao afirmar: “Não surpreende que anos depois da Lava-Jato os parlamentares continuem praticando crimes: eles estão sob suprema proteção. Parlamentares têm foro privilegiado, imunidades contra prisão e agora uma nova proteção: um escudo contra decisões do STF, dado pelo próprio STF”, escreveu.
O principal beneficiado da decisão do Supremo é o senador Aécio Neves, do PSDB de Minas Gerais, alvo de uma decisão da Primeira Turma do Tribunal que impôs a ele o recolhimento domiciliar noturno. A decisão chegou a causar revolta no Senado, que ameaçou desobedecê-la e votar contra o seu cumprimento no plenário. Entretanto, os senadores preferiram esperar o julgamento no plenário do Supremo Tribunal Federal. Após um empate entre os ministros, o voto decisivo foi dado pela presidente da instituição, Cármen Lúcia.
Em sua publicação, Deltan Dallagnol elogiou dois ministros que, segundo ele, consistentemente têm tomado decisões de combate à corrupção. “Fica o reconhecimento à minoria que vem adotando posturas consistentes e coerentes contra a corrupção, especialmente os ministros Luiz Edson Fachin e Luís Roberto Barroso””, destacou. Um posicionamento que gerou surpresa em segmentos da sociedade tem sido o da ministra Cármen Lúcia, presidente da Corte. Na sua investidura, ela passou a impressão de que iria ser determinada e obstinada na aplicação da Justiça no país. Homologou as delações premiadas de executivos da JBS e de outras empresas – uma espécie de pacote que estava sendo negociado pacientemente por integrantes da Corte com vistas a facilitar o aprofundamento das investigações, com a identificação dos culpados.
As últimas atitudes tomadas pela ministra Cármen Lúcia têm sido de recuo na filosofia originalmente imprimida quando se investiu no comando da Corte e externou compromissos com a voz rouca das ruas, simbolizada pela expectativa de punições contra os agentes políticos e empresários que, em conluio, têm dilapidado os cofres públicos. Os expoentes da Operação Lava-Jato, com justificada razão, são os mais indignados com a guinada no comportamento da cadeia de comando do Supremo Tribunal Federal. Foi elucidativo, nesse sentido, o parecer do procurador Carlos Fernando Lima: “Hoje tivemos a submissão do Supremo Tribunal Federal ao Congresso. Podemos chamá-lo ex-Supremo”.
Em Brasília, já se fala em supremo partidarismo, devido a fortes ligações partidárias de alguns ministros do STF com políticos agora beneficiados com mais uma regalia. Calcula-se que pelo menos quatro dos seis ministros da Corte, que votaram para que o Congresso Nacional dê aval em eventuais decisões da Corte de afastamento do mandato, têm currículos com fortes elos partidários. Marco Aurélio Mello, primo do senador Fernando Collor, foi nomeado para a Corte pelo então presidente nos anos 90. Os ex-advogados do PT e do PSDB, Dias Toffoli e Gilmar Mendes, respectivamente, foram nomeados por Lula da Silva e Fernando Henrique Cardoso. Alexandre de Moraes, por sua vez, foi apadrinhado no Ministério da Justiça e depois na cadeira do STF pelo senador Aécio Neves, o maior interessado no resultado da ação que foi julgada. Collor e alguns políticos do PT e do PSDB são réus no Supremo e alvos potenciais de processos na Corte que poderiam afastá-los dos mandatos. Registre-se, ainda, que o ministro Alexandre Moraes não se deu por impedido em nenhuma ação envolvendo o nome de Aécio Neves, tanto na Segunda Turma quanto no plenário na quarta-feira.
Está tudo dominado – essa é que é a verdade. Mas a suprema decepção partiu de onde menos se esperava: da ministra Cármen Lúcia, que entra melancolicamente na História, frustrando expectativas de que a Justiça de verdade fosse feita.
Nonato Guedes