A concessão de títulos de Cidadania Pessoense e outras honrarias pela Câmara Municipal de João Pessoa, que está celebrando 70 anos, sempre foi objeto de polêmica entre os próprios vereadores, com questionamento sobre “excesso de homenagens” e falta de critérios em relação a alguns homenageados. Um dos exemplos é o do desportista Carlos Arthur Nuzman, agraciado com a Cidadania da Capital paraibana no início dos anos 80, quando era presidente da Confederação Brasileira de Voleibol, casado com a jornalista e apresentadora de TV Márcia Peltier. Atualmente, Nuzman frequenta o noticiário policial desde sua prisão na Operação Unifair Play, que investiga esquema de propinas e compra de votos para escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Do esquema fariam parte, ainda, o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, e membros africanos do Comitê Olímpico Internacional.
Nuzman foi presidente do Comitê Olímpico Brasileiro e do Comitê Rio 2016 e as investigações que estão sendo feitas pela Polícia Federal alcançam outros operadores de propinas ligados a ele. A proposta de outorga do título de Cidadão Pessoense a Nuzman foi do então vereador Abelardo Jurema Filho, colunista social do “Correio da Paraíba”, escritor e membro da Academia Paraibana de Letras. O próprio Jurema é quem revela o episódio na sua coluna de hoje no “Correio da Paraíba”, observando: “Em que pese a situação de hoje, Carlos Nuzman fez muito pelo esporte amador do Brasil”. Outros vereadores priorizaram, em seus mandatos, o incentivo ao futebol e ao esporte amador, tais como Potengi Lucena, já falecido, Aristávora Santos, que foi presidente da Câmara Municipal e “Zezinho do Botafogo”, que presidiu o clube e integrou Mesa Diretora do legislativo da Capital.
Em 1973, a então vereadora Ofélia Gondim tomou a iniciativa de ocupar a tribuna da Casa de Napoleão Laureano para investir contra a concessão de títulos de Cidadania, um deles a Edson Arantes do Nascimento, “Pelé”, que ficou conhecido como O Atleta do Século. Conforme consta do livro “50 Anos de História”, editado pelo jornalista Fernando Moura na gestão de Aristávora (Tavinho) Santos, na sessão do dia oito de junho de 1973 Ofélia Gondim reclamou contra a concessão de grande número de títulos de Cidadania “a pessoas que nada fizeram pela nossa Capital, inclusive Pelé, o rei do futebol”. No caso de Pelé, ele chegou a ser criticado por alguns desportistas paraibanos por não ter se empenhado para fazer em João Pessoa o milésimo gol de sua carreira como jogador. Foi numa partida entre o Santos e o Botafogo de João Pessoa, no estádio olímpico José Américo, na segunda metade da década de 60, quando era governador João Agripino Filho.
Pelé e o Santos faziam uma peregrinação pelo país que culminaria com o milésimo gol do atleta, e um dos amistosos ocorreu em João Pessoa. O “rei do futebol” teria sido abordado pelo governador João Agripino com a insinuação de que se fizesse o milésimo gol na Paraíba ganharia do governo uma estátua em tamanho natural. A cúpula do Santos, entretanto, tinha planos de “mídia” em torno do milésimo gol, que seria marcado no Maracanã, em alto estilo. Em João Pessoa, Pelé fez o gol de número 999, e diante da perspectiva do milésimo, foi remanejado para o gol substituindo ao titular, que teria sido contundido. O milésimo gol foi feito no jogo contra o Vasco da Gama, no Maracanã. Outras figuras não ligadas ao esporte como Paulo Maluf, que foi governador de São Paulo, tiveram aprovados títulos de Cidadania Pessoense, mas sequer vieram buscar as prebendas.
Entre o final da década de 70 e início dos anos 80, a Mesa Diretora da Câmara de João Pessoa resolveu “desovar” títulos de Cidadania que estavam encalhados, homenageando personalidades da própria Paraíba. Durante uma semana houve sessões extraordinárias, seguidas de coquetéis – estes na área livre do legislativo pessoense, após as cerimônias de outorga dos títulos e respectivos discursos. O jornal “O Estado de S. Paulo” publicou matéria irônica a respeito, com a manchete: “Um título, uma festa: é a troca na Paraíba”, o que gerou protestos de inúmeros vereadores. A então vereadora Madalena Alves, uma das primeiras mulheres a ter assento na Casa de Napoleão Laureano, explicou à imprensa que além do reconhecimento a supostos méritos de homenageados, razões sentimentais influenciavam nos requerimentos ou proposituras de legisladores. “Quem é homenageado sente-se feliz e toma a iniciativa de fazer uma festinha, além de caprichar nos álbuns de fotografias que registram o instante da solenidade”, justificou Madalena, na época. Hoje, como informa o presidente Marcos Vinícius da Nóbrega (PSDB), a questão da outorga de títulos de Cidadania e outras homenagens está disciplinada por consenso entre vereadores e com base em critérios rigorosos para não “fulanizar” a honraria.
Nonato Guedes