A gente queria o quê? Que Aécio Neves fosse mesmo defenestrado do mandato de senador pelo PSDB de Minas Gerais? A Corte que o julgou – com raras exceções – não tinha muita autoridade moral para inquiná-lo ou para condená-lo pelo recebimento de propinas, que ele, ardilosamente, tentou converter em “empréstimo”, da mesma forma como Delúbio Soares, quando tesoureiro do PT, converteu doações oriundas do chamado caixa dois em “dinheiro não contabilizado”. Verdadeiras pérolas, é claro. E o brasileiro é pródigo nisso, a gente sabe muito bem. Sabe e aplaude de coração, porque é um povo criativo, resistente, que não se intimida com as adversidades e que não desiste nunca – seja do que for.
O neto de Tancredo Neves – este, uma reserva moral da Nação, numa época em que pontificavam no cenário as tais reservas morais – teve 44 votos a favor. Desses, conforme os cálculos levantados pela mídia, 19 estão dependurados em processos de variada extração. Ou seja, estão na mesma posição de Aécio, com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça, ainda que não tenham sido intimados a prestar depoimento ou que não tenham presenciado avanço nos processos para que respondam pelos atos cometidos. Aécio não foi salvo pelos belos olhos – foi salvo pelo corporativismo, pelo chamado “espírito de corpo” que alguns, maldosamente, preferem denominar “espírito de porco”, numa tentativa de desmoralizar uma instituição que salvaguarda acusados.
Alguém já afirmou – não recordo se algum expoente da área jurídica ou da própria classe política – que o Congresso Nacional está dominado. Lá, funciona a plenos pulmões uma espécie de “Omertà”, o pacto de sangue firmado entre os ilustres representantes da Máfia italiana, os honoráveis “tutti di tutti cappi”. No Brasil, onde a indústria da impunidade nunca deixou de estar entranhada na sociedade, causaria espécie se Aécio fosse condenado pelo Parlamento. Dirão alguns: mas Eduardo Cunha perdeu o mandato, perdeu a presidência da Câmara dos Deputados e ainda por cima está preso. É verdade. Outros mais dirão: Delcídio do Amaral foi cassado, perdeu o mandato de senador e ficou confinado nas fazendas do Mato Grosso, longe do lusco-fusco da atividade política. Puríssima verdade. Mas, e daí? Daí que Cunha e Delcídio foram bois de piranha, como tantos outros. Aécio não se encaixava nesse figurino.
O que é preciso entender é que há um abraço de afogados no atual cenário político-institucional brasileiro, que gera pactos de solidariedade incondicional entre personagens que vivenciam situações idênticas ou parecidas. Querem exemplos? Então! O PSDB batalhou de certa forma para a absolvição de Aécio Neves e teve apoio de peemedebistas que, em retribuição, esperam votos dos tucanos para que não seja aceita a segunda denúncia formulada pela Procuradoria Geral da República contra o presidente da República, Michel Temer, também acusado do recebimento de propinas. Ditas as coisas como elas são, fica mais fácil de entender a equação que se desenrola. Temer deverá ser absolvido sem problemas da mesma forma como Aécio já está recebendo de volta o passaporte e voltando pra casa, ou seja, para o Senado da República.
O que Aécio será ou fará depois dessa passagem pelo submundo do crime é outra história. Ele retorna ao Congresso visivelmente enfraquecido, desmoralizado, inconfiável para uma parcela numerosa de políticos, seus companheiros. Deverá perder a presidência nacional do PSDB e, por via de consequência, será riscado do mapa das opções para concorrer novamente à presidência da República. É pouco, ou querem mais? Aécio Neves passa a ser, de agora em diante, uma espécie de zumbi a perambular pelos corredores do Congresso, ostentando credibilidade zero e inexoravelmente associado ao escândalo, ao achaque, à propina, à corrupção. Compensa todo o esforço para voltar ao Senado com esse prontuário? Diz o senador paraibano Cássio Cunha Lima, no esforço para defender o indefensável: a não cassação de Aécio Neves não implica no fechamento do processo contra ele. Ok, senador Cássio, muito obrigado pelo raciocínio brilhante. Mas, aqui pra nós, senador: o senhor acha que os senhores vão mesmo escarafunchar a vida e as acusações contra Aécio agora que ele está voltando pra Casa? Este é o melancólico retrato do Brasil, na fase atual. Profundamente melancólico.
Nonato Guedes