Em breve, se deixar correr solto, voltaremos para os anos 1800. A frase, em tom de desabafo, é do jornalista Laerte Cerqueira, ora estudando na Europa, ao comentar a recente decisão do presidente Michel Temer sobre o trabalho escravo. Para fazer um mimo a bancada ruralista em momento que volta ter denúncia contra ele avaliada na Câmara, Temer mudou as regras para a fiscalização do trabalho escravo.
Com as mudanças, jornadas extenuantes e condições degradantes só serão consideradas trabalho análogo à escravidão se houver restrição de locomoção do trabalhador. Não para por aí. A lista suja de empregadores será divulgada pelo ministro do Trabalho, e não mais pelo corpo técnico do ministério. E a fiscalização só poderá ser feita com a presença de policiais. Enfim, do jeito que os patrões ruralistas gostam.
Na prática, a portaria do Ministério do Trabalho anula condições degradantes como um dos quatro elementos que configuram trabalho semelhante ao de escravo ao afirmar que essa situação só existe com cerceamento da liberdade. Em depoimento ao site Reporter Brasil, Antonio Melo, da Organização Internacional do Trabalho, explica como funciona essa medida: empregadores que deixavam de fornecer água potável, alimentação e descanso adequado antes podiam ser acusados de submeter pessoas a condição degradante e isso era suficiente para caracterizar trabalho escravo. Com a nova regra, essa configuração fica mais difícil. A portaria traz a ideia reducionista que escravo é a pessoa amarrada sem possibilidade de fugir. Essa é a ideia falsa utilizada no imaginário para tentar convencer que a legislação atual é exagerada, afirmou Xavier Plassat, coordenador da Campanha contra o Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra.
Leonardo Sakamoto, na UOL, lembra que a nova portaria estabelece a existência de cerceamento de liberdade como condicionante para a caracterização de ”condições degradantes” e de ”jornada exaustiva”, ao contrário do que está no artigo 149 do Código Penal. O certo é que o que o governo Temer decidiu vai na contramão do que recomenda organismos as Nações Unidas. Como diz a professora Wilka França, a escravidão no Brasil não acabou e o governo golpista junto com a bancada ruralista estão fazendo de tudo para que os seus praticantes não sejam punidos. Isso é tão errado, tão absurdo e o que vemos é um monte de gente hipócrita fazendo alarde por algo que nem se preocupam de verdade. Trocando em miúdos, Temer, para não virar escravo do Congresso, agrada parlamentares que querem escravizar seus trabalhadores.
Linaldo Guedes