No final do século 19 e início do século 20, as atrações dos circos nos Estados Unidos nem sempre eram animais treinados, palhaços e acrobatas. Para ganhar dinheiro do público, anomalias humanas passaram a ser exibidas com destaque em shows que ficaram conhecidos como Circo dos Horrores. Que atrações eram estas? Coisas risíveis, como o Homem Cachorro, o Homem Coruja, a Mulher Barbada, as Irmãs Siamesas, a Mulher mais Feia do mundo e por aí vai.
No Brasil de hoje, esse Circo de horrores parece ser nossa principal atração. Mas ao contrário daquele do início do século passado, onde se caprichava nas anomalias de pessoas que nasceram com alguma deficiência física para expô-la como atração, no do Brasil as bizarrices vêm das falas e, sobretudo, do comportamento das pessoas. E esse circo dos horrores começa pela classe política e passa pelos seus seguidores ou seus críticos.
Quer um exemplo real e recente desse circo dos horrores no Brasil? Vejam como aconteceu o debate ontem na audiência entre o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, com deputados na Câmara Federal, sobre o Queermuseu e a mostra no MAM que trouxe interação entre uma criança e um artista nu. De um lado, deputados que se dizem a favor da família, de outro apenas o deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) a favor das mostras.
No fim do debate, o deputado Givaldo Carimbão (PHS-AL) questionou o ministro sobre a hipótese de sua (do ministro) mãe ser retratada de pernas abertas com a genitália à mostra, como teria acontecido na exposição Queermuseu. O ministro, em tom de revolta, respondeu aos berros que o deputado estava ofendendo sua falecida mãe. Antes disso, em outra discussão, dois deputados quase chegaram às vias de fato e receberam a sugestão do presidente da sessão de audiência que fossem para a porrada lá fora. A Folha de S. Paulo relata que o clima da sessão foi pesado do início ao fim, com os deputados evocando a defesa da família contra a imundície da cena artística.
A audiência da Câmara com o ministro da Cultura apenas reproduz o Brasil de hoje. O país parece ter saído definitivamente dos trilhos desde que resolveu interromper um processo democrático de uma eleição apenas por birra dos derrotados e incômodo de determinados segmentos da sociedade com a presença de mais um governo petista no Poder. Se a Dilma Roussef era incompetente como administradora (e sabemos que sua gestão tinha muitas falhas) o certo era esperar terminar seu mandato e em novas eleições tentar mudar o rumo do país. Ao invés disso, preferiram seguir os conselhos do então ídolo do anti-petismo, Aécio Neves, de fazer o governo sangrar até acontecer o impeachment, com apoio da Globo, Fiep e outros que ficaram na surdina.
Dilma foi afastada sem ter cometido crimes, mas os que vieram em seu lugar não só não conseguiram colocar o Brasil nos trilhos, do ponto de vista econômico e social, quanto ainda mostraram que a tese de que quem disso usa, disso cuida se adequava perfeitamente a suas maneiras de agir: todos envolvidos em corrupção e todos soltos. Talvez isso explique esse circo dos horrores em que se transformou o Brasil. De um lado, os que votaram em Dilma e não concordaram com o impeachment ou golpe. De outro, os que foram levados a apoiar (de forma inocente ou não) a queda de um governo eleito de forma democrática por políticos com todo tipo de bizarrice. Como Aécio Neves (o que manda matar) ou Jair Bolsonaro (que defende a volta dos militares). O que se viu ontem na audiência pública da Câmara é apenas um reflexo desse circo dos horrores em que o Brasil se transformou, onde ninguém se entende e nem diz coisa com coisa. O Brasil está doente e o maior símbolo do seu circo dos horrores é um pato amarelo.
Linaldo Guedes