Os métodos e eficácia das terapias utilizadas no tratamento do portador de autismo foram debatidos na tarde desta quinta-feira (19), no Fórum Affonso Campos, em Campina Grande. A discussão fez parte de uma audiência pública, organizada por magistrados das Varas Cíveis da Comarca, que tiveram a iniciativa, a fim de aprofundar o conhecimento, diante do crescimento da demanda processual envolvendo cobertura contratual de planos de saúde para custeio do tratamento do transtorno. O evento teve 227 inscritos.
Além de especialistas renomados na área, participaram do evento membros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PB), Ministério Público, Conselho Regional de Medicina (CRM), universidades, Secretaria da Educação, representantes de planos de saúde e Associações de Apoio.
De acordo com o magistrado titular da 5ª Vara Cível de Campina Grande, Max Nunes de França, o tema é novo e não existe jurisprudência sedimentada sobre o assunto. Resolvemos abrir esta audiência, para debater com especialistas as intervenções necessárias; as responsabilidades dos planos de saúde na cobertura, para que nós, juízes, possamos formar um posicionamento sobre o assunto e decidirmos de forma justa, explicou.
Durante o evento foram exibidos vídeos e proferidas palestras por especialistas na área da Medicina, Neurologia, Psicologia e Psicopedagogia, que abordaram aspectos técnicos do autismo; apresentaram formas de tratamento e resultados positivos a partir dos mesmos. Entre as terapias abordadas, a ABA traduzida como Análise de Comportamento Aplicado foi a mais debatida, por apresentar resultados efetivos na evolução dos pacientes, conforme dados apresentados.
O médico, neurologista infantil e doutorando em Ciências Médicas da Unicamp, Clay Brites, falou sobre a terapia ABA, definiu o autismo e abordou algumas indicações terapêuticas.
Autismo é um transtorno de neurodesenvolvimento, que leva a criança a um desarranjo na arquitetura cerebral, em intensidades e locais diferentes, com acometimentos diferentes. Gera graves consequências na capacidade de interação e comunicação social, comportamentos repetitivos, interesses restritos, dificuldades de perceber contextos sociais. É comum que apresentem estereotipias. Além disso, 85% destas pessoas não possuem apenas o autismo, mas podem apresentar hiperatividade, déficit de atenção, epilepsia, ou distúrbios do sono. As evidências mostram que o tratamento é mais eficaz com identificação e intervenção precoce, afirmou.
Já em relação ao tratamento, o médico apontou a necessidade de atuação multidisciplinar. Deve ser baseado em quatro pilares: comportamental, desenvolvimental, medicamentoso e suporte familiar e escolar, esclareceu.
Já o presidente da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC), Felipe Lustosa Leite, que possui Mestrado e Doutorado na área, afirmou que o problema central do autismo envolve um déficit de aprendizagem social. Existe uma dificuldade de aprender com os outros, de desenvolver linguagens, sutilezas, e outros aspectos. Logo, o tratamento não é um comprimido, mas toda a relação com o meio social. A terapia precisa ser intensiva e transformar a vida de todo o núcleo familiar. Uma família não-participativa dificilmente verá um bom grau de sucesso, pontuou.
A presidente da Associação Amigos do Autismo AMA, de João Pessoa, médica Lourdes Almeida, é mãe de um adolescente com autismo. Na ocasião, ela revelou as próprias vivências e dificuldades desde que o filho foi diagnosticado, e da luta para que os pais de crianças com autismo consigam que os planos de saúde custeiem estes tratamentos.
É importante que a população saiba o que é o autismo e como tratá-lo. Os tratamentos são onerosos. É incrível o que estas terapias fazem pelos nossos filhos. Quero que ele possa ser o mais independente possível. Estas terapias são perenes e precisamos desta compreensão dos planos de saúde. Com elas, eles se tornarão adultos funcionais, pessoas melhores e com dignidade, declarou.
Outra mãe de criança com autismo e presidente da Associação Campinense de Pais de Autistas (ACPA), Roberta Kariny Costa Figueiredo, falou da importância de reunir juízes e tantos profissionais, com foco nesta causa. Nossos filhos precisam de atenção diferenciada. Mas, não posso falar apenas pelo meu filho. Os pais lutam para que seus filhos tenham um tratamento adequado, mas a maioria esmagadora não tem sequer plano de saúde. Essas famílias sofrem. Eu recebo estas pessoas. Elas também precisam de ajuda e desses tratamentos, defendeu.
Já o professor-pesquisador da UFPB, Severino Horácio, chamou a atenção para que os planos de saúde compreendam melhor a área da Psicologia Comportamental. É uma área específica, então não adianta encaminhar para outras formas de terapias. Seria o mesmo que encaminhar alguém que precisa de uma cirurgia no fêmur para um oftalmologista, exemplificou.
Tempo e reembolso de tratamento foram as principais dúvidas levantadas pelos planos de saúde. Em nome da Unimed, a neuropediatra Maria das Graças Loureiro Chaves fez questionamentos sobre duração das terapias e emissão de relatório de progressos das pessoas com autismo. Também a médica pediatra e gerente na Unimed, Analúcia Freire Cantalice, afirmou ter recebido laudos sem a indicação específica de tratamento e sem o grau de classificação do autista.
O que é importante para acompanharmos a evolução desta criança/pessoa. Todo médico precisa monitorar metas. Essa é uma das dificuldades. Além da necessidade de relatórios de acompanhamento regular, pois, embora eu tenha solicitado, não tenho recebido, explicou a médica.
A promotora de justiça da Saúde de Campina Grande, Adriana Amorim de Lacerda, fez ponderações sobre o fato de mais de 80% da população ser dependente do Sistema Único de Saúde (SUS) e disse que levará à Promotoria todas as questões relacionadas às pessoas com autismo que não podem pagar planos de saúde. É preciso lançar atenção e cuidado a estas pessoas, disse.
Os debates seguiram até a noite e o tema foi amplamente debatido, com dicas, críticas apontadas sobre a falta de conhecimento existente na sociedade sobre o assunto e sobre os altos custos de tratamentos.
Residente em Campina Grande, a advogada e mãe de uma criança autista, Ivana Figueiredo Godoy, apontou o que, para ela, vem sendo o maior problema enfrentado em relação aos planos de saúde: Eles nos direcionam para qualquer profissional, sem critérios. Autismo precisa de tratamento sério e estamos buscando este direito. Quem é mãe de filho autista dorme e acorda para lutar por isso.
Por Gabriela Parente – TJPB