Os últimos episódios verificados na cidade de Bayeux, na região metropolitana de João Pessoa, envolvendo um prefeito afastado e preso (Berg Lima) e o prefeito que o sucedeu, Luiz Antônio, ambos citados em casos de propinas, além da recorrência condenável, afrontam e desafiam instituições que zelam pela Lei no sentido de agirem para que esta seja cumprida à risca, diante da ameaça que se instaurou contra o patrimônio público. Abstraindo insinuações recíprocas sobre conspirações ou embates políticos entre grupos que operam na vizinha cidade, há uma extrema gravidade por trás dos fatos que estão vindo à tona em gravações e filmagens.
O Ministério Público, que deflagrou a ação contra o prefeito afastado Berg Lima, culminando na sua prisão, torna-se, naturalmente, o mais inquinado a agir a fim de que os fatos sejam definitivamente esclarecidos e que os verdadeiros culpados paguem pelos delitos praticados e que provocaram reações justas de indignação e protesto por parte dos habitantes da cidade de Bayeux. Como alerta o ex-prefeito Expedito Pereira, derrotado pela dupla Berg-Luiz Antônio, é com tristeza que a população de Bayeux constata o prolongamento desse enredo danoso e nocivo aos interesses do erário.
A grande incoerência está cristalizada no fato de que os incriminados, hoje, candidataram-se, foram à praça pública pedir votos com a falsa promessa de que fariam diferente, transformando métodos condenáveis que supostamente teriam sido detectados em outras gestões. Era o velho discurso da presumível moralidade, do combate à corrupção, cujo corolário seria a salvação de recursos públicos para que possam ser utilizados em investimentos e melhorias em infraestrutura reivindicadas de há muito tempo pelos habitantes, sobretudo, das áreas periféricas que circundam o município de Bayeux. Nesses casos específicos de Bayeux que estão vindo à tona, a suspeita de “armação”, invocada pelos lados opostos, apenas reforça a face histriônica dos escândalos cometidos de forma ostensiva, sem o menor pudor, sem o menor respeito pelo dinheiro público e menos ainda pelo cidadão comum.
A elucidação correta da trama administrativa de Bayeux é fundamental, igualmente, para que se comprove ou não que foi ilícita a prisão do prefeito afastado Berg Lima, da mesma forma como teria sido extemporâneo e ilegal o seu afastamento da prefeitura, levando-se em conta que tudo teria sido resultado de uma orquestração maquiavélica montada para destruí-lo politicamente e afastá-lo de influência nas rédeas do comando da prefeitura. Não é justo que prováveis inocentes estejam pagando por má interpretação da Lei ou por acatamento de versões e de provas que não seriam tão consistentes como se tentou fazer crer nos primórdios do estouro do escândalo administrativo em Bayeux.
Já de algum tempo a corrupção mantém-se na ordem do dia da conjuntura brasileira, quer pelos efeitos da Operação Lava-Jato, a maior do gênero já executada no país contra agentes públicos, quer pelas prisões de condestáveis políticos ou da vida pública que institucionalizaram a malversação do dinheiro do povo como um expediente corriqueiro incorporado à mentalidade da população, por mais condenável que isto seja. Da Lava-Jato reclamou-se, no início, que estaria pecando por excessos. É possível que os tais excessos tenham havido – mas excessos são puníveis ou corrigíveis a qualquer instante. O mais delituoso teria sido a deslavada omissão – porque isto implicaria em conivência ou concordância com expedientes nada republicanos, nada democráticos. Esta omissão tende a se diluir cada vez mais, a partir da conscientização e da pressão que a sociedade exerce firmemente.
Ninguém tem a ilusão de que a corrupção venha a ser erradicada completamente do cenário brasileiro, como não o foi em países mais desenvolvidos. Mas há uma forte expectativa de que a cultura da impunidade tenha sido ferozmente golpeada pelo mero cumprimento da Lei, pela aplicação dos dispositivos que punem ao invés de acobertar o delito. Não é nada, não é nada, teoricamente. Mas é muita coisa num País onde o verbo roubar passou a ser conjugado com uma facilidade e uma familiaridade estupendas.
Nonato Guedes