A atual crise política-institucional que o país vive, com o presidente da República, Michel Temer (PMDB), denunciado pelo Ministério Público por corrupção, recoloca na ordem do dia uma frase antológica proferida pelo historiador Capistrano de Abreu, que nasceu sob a vigência da Constituição do Império e viu a promulgação da primeira Carta Magna Republicana. Com base na dupla experiência, Capistrano propôs substituir todo o palavreado constitucional por uma versão sucinta: “Artigo Único: Todo brasileiro fica obrigado a ter vergonha na cara”. No livro “A História do Brasil em 50 Frases”, o escritor Jaime Klintowitz afirma que mais de um século foi passado e a obrigação de “vergonha na cara” sequer foi considerada nas várias ocasiões em que o texto constitucional foi reescrito.
Temer escapou de investigação por duas vezes porque conseguiu obter maioria no plenário da Câmara dos Deputados para barrar qualquer investigação sobre sua condutta. Em contrapartida, o presidente tem o maior índice de rejeição na história da democracia no Brasil. Jaime Klintowitz lembra que o Brasil teve sete Constituições. Uma no Império (1824) e seis na República (1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, esta última presidida pelo falecido deputado Ulysses Guimarães (SP). Klintowitz acrescenta à lista a Emenda Constitucional número 1, produzida pela Junta Militar em 1969 dada a quantidade de alteraçõs efetuadas na Constituição de 1967. Lembra que a mais duradoura foi a primeira Constituição, com 67 anos. A de 1934 foi a de vida mais curta – apenas três anos. A de 1988, chamada Constituição Cidadã, vem em segundo lugar no ranking da longevidade. Duas delas, a de 1946 e a de 1967 vigoraram por 21 anos. A de 1937 valeu pelos nove anos tirânicos do Estado Novo.
O escritor revela que as Assembleias Constituintes foram cinco, todas convocadas em momentos de ruptura da ordem institucional: em 1823, com a independência; em 1981, pela proclamação da República. Em 1932, pela Revolução de 30. Em 1946 pelo fim do Estado Novo e em 1988 pelo colapso da ditadura militar. Uma curiosidade a respeito da primeira Constituinte é ter sido convocada pelo príncipe Pedro de Alcântara em junho de 1822, três meses antes da independência. Outra Constituinte reunia-se em Lisboa com a participação de delegados brasileiros. Mas já se tornara evidente que o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves tinha os dias contados. Instalada oito meses depois da convocação, a Constituinte do Império nasceu sob a condição implícita de que deveria fazer as vontades do governante ou iria arcar com as consequências. O imperador não usou meias palavras ao incluir a ameaça no discurso de inauguração: “Com a minha espada defenderei a pátria, a nação e a Constituição, se for digna do Brasil e de mim”. Sem se deixar intimidar, os constituintes deliberavam com autonomia. Pedro I não aceitou tamanha indignidade. Em novembro de 1823, a soldadesca cercou o prédio da Assembleia, declarada extinta pelo imperador. Seis constituintes, entre eles os irmãos Andradas, que haviam rompido com o imperador em julho, foram deportados para a Europa. Ao deixar o prédio, José Bonifácio de Andrada e Silva, o Patriarca da Independência, fez reverência diante de uma peça de artilharia e a saudou com ironia: “Respeito muito o seu poder”. Grandes palavras para marcar a primeira das várias vezes em que o parlamento brasileiro foi esmagado pelo arbítrio. A Constituição de 1891 universalizou o voto, baixou a idade mínima para 21 anos e eliminou a exigência de renda mínima. Manteve, contudo, o veto ao eleitor analfabeto, existente desde 1881. Sem as mulheres, os analfabetos e os jovens até 21 anos, o eleitorado ficava extremamente reduzido. Apenas 2% dos brasileiros estavam aptos a votar nas eleições presidenciais de 1894.
A Constituição de 1988 previa checar em plebiscito, realizado em 1993, se os brasileiros queriam permanecer numa república ou preferiam voltar à monarquia. Jaime Klintowitz conclui: “O que todas essas Constituições têm em comum? No livro em que analisa a saga constitucional brasileira, o historiador Marco Antônio Villa conclui que se cada uma teve suas peculiaridades, o conjunto desses textos foi marcado pela dissociação com o Brasil real. Faltou, diria o mordaz Capistrano, vergonha na cara.
Nonato Guedes