A Personalidade do Ano no Brasil é um paraibano, da região de Catolé do Rocha, estudioso do Direito e com uma vasta bagagem intelectual e profissional adquirida e aprimorada, inclusive, em Universidades respeitáveis de outros países. Trata-se do ministro Herman Benjamin, que integra os quadros do Superior Tribunal de Justiça e que se despediu em alto estilo da sua passagem pelo Tribunal Superior Eleitoral proferindo voto, na condição de relator, pela cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer. A decisão não foi acolhida pela maioria dos membros da Corte mas nem por isso Herman Benjamin foi diminuído no seu papel e na merecida projeção. Muito pelo contrário.
Ele foi independente e intimorato o suficiente para contrariar a presumível maioria e fundamentou com tanta profundidade o seu parecer que o relatório acabou sendo uma obra-prima da jurisprudência brasileira no que tange ao Direito Eleitoral e tornou-se peça cobiçada para consultas por tantos quantos têm interesse na fascinante carreira da magistratura. Herman Benjamin opinou que o procedimento mais correto seria a dissolução, via cassação, da chapa geminada que saiu vitoriosa nas eleições de 2014, quando a petista Dilma Rousseff pleiteou a reeleição e ganhou. Infelizmente para ela, não levou. E ainda por cima teve o desconforto de assistir à unção do vice-presidente Michel Temer, que conspirava abertamente contra ela.
O entendimento do ministro Herman Benjamin era curial: se ambos, Dilma e Temer (indicado pelo PMDB) compuseram uma chapa na eleição presidencial, tiveram participação em episódios que comprometeram a lisura do processo e ocasionaram o impeachment de Rousseff. Isto implicaria na desconsideração do pleito realizado, por estar contaminado por vícios e por critérios de desigualdade que feriram de morte regras democráticas já consagradas no cenário político-institucional brasileiro. Herman Benjamin chegou a usar uma expressão que entrou na História, ao dizer, aludindo ao processo viciado da eleição, que não concordava em ser coveiro de prova viva. Frisou que poderia até participar do velório e segurar na alça do caixão, mas não compactuava com o enredo que desmembrou a chapa e tornou Michel Temer incólume, ainda que tenha feito parte da chapa com Dilma.
Num Estado como a Paraíba, que tem perdido posição de destaque no cenário nacional, a atitude de Herman Benjamin foi emblemática de uma postura corajosa, firmada não ao sabor de paixões nem sob o efeito de idiossincrasias, mas com base em convicções sólidas sinalizando para a suspeição da chapa completa, não de apenas um dos expoentes. Se tivesse sido acompanhado pela maioria, o voto do ministro Herman Benjamin teria alterado o curso do processo que então se desenrolava – a primeira consequência, por óbvio, seria a defenestração de Temer, encarado como partícipe ou como solidário com expedientes utilizados que desfiguraram de certa forma a legitimidade da democracia política.
Herman Benjamin não foi brilhante apenas na elaboração do arrazoado. Ele se agigantou na explanação dos fundamentos que embasaram o voto. Assentou a preliminar de uma suposta jurisprudência que corrigiria, com toda certeza, anomalias infelizes ou perniciosas no Direito Eleitoral brasileiro. O ministro quis oferecer uma contribuição oportuna e consistente para que a Lei avançasse na proporção da celeridade das manifestações ecoadas das ruas. Interpretou que já se havia perdido tempo demais no apego a distorções que pautam as nossas leis e a Constituição. Tinha o ministro paraibano a expectativa de que fosse feita uma exegese criteriosa dos fundamentos do seu alentado parecer – mas não foi isto o que aconteceu nas discussões dentro do colegiado.
Voto vencido, sim, pelo peso de fatores outros aplicados à turbulenta conjuntura institucional brasileira. Mas não derrotado. O ministro Herman Benjamin ganhou expressões espontâneas de apoio ao seu parecer e gerou esperanças, no âmbito da sociedade, de que o colegiado fosse agir com imparcialidade e legalidade plena. O ministro Herman Benjamin não orgulha apenas a Paraíba, mas o Brasil, pela sua altivez e dignidade. Fez o que prometeu na construção impecável do raciocínio de que se valeu: até participou do velório, mas não foi coveiro de prova viva. É de pessoas assim que o Brasil se ressente, podem acreditar.
Nonato Guedes