Sendo indulgente com a juíza do interior de São Paulo que vetou o show de Caetano Veloso num acampamento dos trabalhadores do Movimento dos Sem-Teto: a magistrada temeu pela integridade física dos assistentes do espetáculo, supostamente porque o local seria inadequado para acolher – digamos, um grande público. Ainda para sermos indulgentes: a meretíssima magistrada confessa-se fã do expoente da Tropicália, define como inigualável a sua voz e destaca o brilhantismo do profeta das palavras da MPB. Resumo(?) da ópera: houve excesso de zelo, não no sentido de “violentar” Caetano, mas de protegê-lo diante de acontecimentos imprevisíveis, imponderáveis, que poderiam cercear sua liberdade pessoal.
Estas interpretações estão sendo feitas dentro da estratégia de não avançarmos na paranoia de que a maldita e odiosa censura está de volta ao Brasil, em pleno período que se tem como democrático. Porque, como disse o próprio Caetano, a última vez em que ele foi proibido de cantar se deu durante o regime militar instaurado em 1964 e que perdurou 21 anos, formando o que se convencionou denominar de “longa noite das trevas”. Vale acrescentar, ainda, que em meio àquela onda de censura ou discriminação, Caetano e Gilberto Gil tiveram que se exilar em Londres. E Chico Buarque de Holanda foi molestado várias vezes com cortes em letras de composições que era obrigado a submeter previamente à Polícia Federal, onde havia uma instância dedicada ao monitoramento do que era permitido ou não.
Infelizmente, somos levados a constatar que a odiosa censura voltou a vigorar no País e que isto é estimulado, indiretamente, pelas posturas antidemocráticas que têm sido tomadas pelo governo empalmado pelo Sr. Michel Temer como decorrência do impeachment da presidente titular, Dilma Rousseff. O governo Temer tem tido uma relação especialmente complicada com o segmento intelectual/artístico brasileiro, a partir da tentativa ensaiada, nos primórdios da gestão-tampão, com vistas a rebaixar o status do Ministério da Cultura e, por via de consequência, reduzir repasses de recursos para o patrocínio ou apoio a iniciativas de grupos talentosos que não possuem meios para viabilizar eventos e promoções que projetem a própria imagem do Brasil no exterior, mediante representações via Cultura de aspectos positivos que o nosso País tem a oferecer.
Em paralelo, o governo do presidente Michel Temer reduziu drasticamente investimentos em Ciência, pesquisa e tecnologia, tornando ociosos inúmeros laboratórios de ponta de centros universitários avançados do ensino superior brasileiro. No regime militar, que proibia a livre manifestação e a livre criação, verificou-se de forma drástica uma evasão de cérebros, com a diáspora de cientistas e estudiosos de escol, a exemplo de Schemberg, Paulo Freire e o paraibano Celso Furtado, para citar alguns exemplos. No que tange ao governo do Sr. Michel Temer, a tentação de diáspora se dá pela falta de estímulo ou incentivo para a explosão das potencialidades que constituem a riqueza intelectual e cultural do Brasil. Não foi por outro motivo que inúmeros artistas recusaram publicamente o convite insinuado pelo senhor presidente da República para assumirem funções na Pasta da Cultura. Isto se deu com um arco de talentos que vai de Bruna Lombardi a Daniela Mercury.
Em vez da aposta em espaços do governo Temer para o incremento da Cultura e o estímulo à produção intelectual, deu-se o desânimo, deu-se a desconfiança, deu-se o medo do que esse governo que aí está seria capaz. Até porque todos os dias o governo Temer comete estultices, omitindo-se no socorro a algumas demandas prementes ou urgentes ou simplesmente ignorando reivindicações que são traduzidas pelos expoentes do Saber. É um governo refratário à inteligência – e mancomunado com a mediocridade. Isto pode ser aferido na extração da média ponderada do nível dos ministros do presidente Michel Temer – geralmente escolhidos ou indicados pelo varejo político em transações tenebrosas para assegurar que denúncias ou investigações contra esse governo sejam barradas na Câmara dos Deputados e no Senado.
O Brasil respira uma das fases de maior retrocesso e mal-estar de sua História. E quem puxa o cenário para baixo, afetando a auto-estima do cidadão brasileiro, inclusive, do analfabeto que não vai a shows de Caetano Veloso, é o governo indecente e ignóbil de Michel Temer e da corja de parlamentares arrebanhadas para um semiparlamentarismo de fancaria, em que a moeda corrente é o compadrio, para administração das vaidades e dos apetites de grupos e facções correlatas. Está mal o Brasil. E o governo do Sr. Temer apenas contribui para intimidar, jamais para devolver o cidadão comum à tranquilidade depois dos solavancos e rupturas advindos de um novo e traumático processo de impeachment no Executivo. Uma lástima essa conjuntura medíocre!
Nonato Guedes