Um fenômeno curioso ocorre no atual cenário político brasileiro: o presidente Michel Temer (PMDB), que foi empossado no vácuo do impeachment da petista Dilma Rousseff, não logrou se afirmar no cargo a ponto de disputar, em 2018, a reeleição ou permanência no Planalto, nem consolidou um candidato que possa apoiar e que venha a vencer a parada. No caso análogo que se conhece, o de Itamar Franco, que em 92 assumiu com o impeachment de Fernando Collor de Melo, ele também não se credenciou à reeleição, mas de última hora achou um candidato que acabou se viabilizando na esteira de um Plano econômico atraente – o Plano Real, cujo artífice foi Fernando Henrique Cardoso, eleito em 94 e reeleito em 98, concorrendo pelo PSDB.
Embora já fosse político de expressão em São Paulo, Fernando Henrique somente ascendeu ao Senado, onde se tornou conhecido, na condição de suplente. Tornou-se uma das estrelas que fundaram o PSDB, uma espécie de costela que se soltou do PMDB e que agregou o discurso econômico a uma pauta predominantemente política. Fernando Henrique, filho de militar nacionalista, ostentava como principal referência uma brilhante carreira acadêmica, como professor universitário e autor de livros sobre a dependência econômica do Brasil diante do imperialismo norte-americano. Respeitado nos círculos intelectuais e casado com uma também socióloga, Ruth Cardoso, Fernando Henrique Cardoso tinha o perfil de um “lorde”, talhado para missões diplomáticas no Itamaraty, e de início ocupou mesmo a pasta das Relações Exteriores. Acabou sendo remanejado para a Fazenda, numa jogada que misturou sorte e intuição e que fez o governo-tampão de Itamar Franco entrar para a História. Os dois, Fernando Henrique e Itamar, sustentaram acirradas discussões sobre a paternidade do Real, por uma razão simples: o Plano deu certo e elegeu um presidente da República, da mesma forma como no governo de José Sarney o Plano Cruzado favoreceu vitórias de candidatos a governadores em vários Estados.
Num país traumatizado pela ciranda inflacionária, que alcançou índices estratosféricos no próprio governo Sarney, já ao final, a estabilidade econômica do Brasil derivada do Plano Real e que perdurou nas gestões petistas, sobretudo nas gestões do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi um verdadeiro “achado” que surpreendeu a classe política e impressionou fortemente os brasileiros. Fernando Henrique Cardoso, no exercício da presidência, destacou-se ainda pelo respeito à tradição democrática e pela capacidade conciliadora. O próprio Luiz Inácio Lula da Silva foi um dos seus interlocutores antes de fixar-se a polarização política PT X PSDB. Ao ser perguntado sobre como gostaria de ser lembrado, FHC invocou sua postura como governante, acentuando: “Não prendi ninguém, não fui violento, exerci o poder democraticamente, ajudei a criar as condições de um futuro melhor para o Brasil”. Ele foi um dos exilados pelo golpe militar instaurado em 1964.
FHC enfrentou polêmicas, originadas, sobretudo, no Congresso Nacional. Ele foi acusado de “comprar votos” no Parlamento para aprovar a emenda da reeleição, que lhe assegurou mais um mandato a partir de 98. O instituto da reeleição ocasiona controvérsias e não faltam propostas para que seja abolido, diante da suspeita de que favorece primordialmente a quem está no poder. Mas os políticos e partidos acabam empurrando com a barriga uma definição a respeito. Lula, por exemplo, foi beneficiário da reeleição – governou por duas vezes. Dilma foi reeleita em 2014, mas em pouco tempo foi alcançada pelo impeachment cujo motor teriam sido pedaladas fiscais detectadas pelo Tribunal de Contas da União. Ainda hoje, os petistas consideram frágil esse argumento e insinuaram por algum tempo que o impeachment fora causado por golpe parlamentar. Mais recentemente, Lula tem sido ácido com Dilma, a ponto de declarar que ela traiu os eleitores ao fazer promessas que não cumpriu.
É do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso esta auto-definição: “Sou cartesiano, mas com pitadas de candomblé, Acasos, acidentes, escolhas, capacidade para assumir riscos…os pontos de inflexão na minha trajetória são um misto de tudo isso”. É dele, também, esta observação: “Ou encontramos uma estratégia comum para a sobrevivência da vida no planeta e a melhoria das condições dos mais pobres ou haverá riscos de rupturas no equilíbrio ecológico e no tecido social”.
Nonato Guedes