A proximidade de uma nova eleição ao governo da Paraíba, em 2018, descortina episódios análogos, de campanhas travadas mais recentemente na história política do Estado e que tiveram tintas surpreendentes ou espetaculares. A lembrança que me ocorre é a da campanha de 1986, a segunda eleição direta para governadores depois de virada a página da ditadura civil-militar instaurada em 64. O então vice-governador José Carlos da Silva Júnior, empresário conceituado dentro e fora do Estado, habilitou-se dentro do PDS a concorrer pelo voto sob promessa do governador Wilson Leite Braga de absoluto engajamento das forças do esquema em prol de um resultado favorável.
No dia em que Wilson e José Carlos renunciaram a governador e vice para disputarem mandatos – o primeiro, uma senatória; José Carlos a governador – começou a ser desenrolado o enredo da traição, tal como registrei em coluna política no “Correio da Paraíba”. Consistia na “cristianização” da candidatura de José Carlos ao Palácio da Redenção, enquanto o esquema de forças se mobilizaria todo para fazer vitoriar Wilson Braga ao Senado. Com a pulga atrás da orelha, José Carlos decidiu topar a parada em meio a insinuações na imprensa de que ele seria uma espécie de “trem pagador” da campanha. Em tese, o seu adversário seria, dentro do PMDB, o senador Humberto Lucena, condestável que chegou a presidir o Congresso por duas vezes.
Uma conjunção de fatores, todavia, alterou substancialmente o quadro que se desenhava – basicamente três fatores; o primeiro, a filiação do deputado federal e ex-governador Tarcísio Burity ao PMDB na undécima hora do prazo legal de migração partidária; o segundo, um mal-estar que acometeu o senador Humberto, levando-o a ser internado no Incor, em São Paulo, de onde expediu manifesto renunciando à candidatura ao governo e mantendo postulação senatorial; o terceiro caso, enfim, a desistência do empresário José Carlos da Silva Júnior. A candidatura do dono das Organizações São Braz e da Rede Paraíba de Comunicação não resistiu ao primeiro ensaio de comício feito na cidade de Cajazeiras, que ensinou a Paraíba a ler. Tudo foi montado para concentrar as atenções em torno de Braga, que já era conhecido em todo o Estado, enquanto ignorou-se José Carlos, que precisava ser massificado por não ter maior projeção política-eleitoral.
À certa altura do pagode político em Cajazeiras, altas horas da noite, Wilson foi retirado do palanque e carregado em passeata nos braços de militantes braguistas, juntamente com sua mulher, Lúcia. José Carlos, quando deu por conta, estava praticamente sozinho no palanque. Fora, como se diz na gíria, iludido e abandonado. Era como se não fosse uma figura importante, o nome ungido por um esquema político para encabeçar chapa que se pretendia vitoriosa no confronto das urnas. Revoltado com a desfaçatez, José Carlos desligou-se da comitiva, viajou de carro para o Brejo das Freiras, onde pegou o avião e veio para João Pessoa. Aqui, preparou carta distribuída com a imprensa renunciando à candidatura ao governo. Pego de surpresa, o “staff” braguista cercou o então senador Marcondes Gadelha, do PFL, para enfrentar a parada. Argumento pouco usual de Braga a Marcondes: “Só você pode perder, pois, se não for eleito governador, voltará ao Senado para cumprir mais quatro anos de mandato”.
Marcondes não tinha escapatória e expôs-se ao sacrifício para ser imolado em praça pública, como acabou sendo. De saída, o PMDB fizera a troca de candidatos, com Tarcísio Burity substituindo a Humberto Lucena. Burity tinha”recall” do primeiro governo, que empalmara por via indireta e em que se sobressaiu mantendo assistência a vítimas da seca no interior da Paraíba com recursos do Estado, quando faltara a ajuda federal. Essa lembrança da ação e solidariedade de Burity foi decisiva para o resultado final da eleição: 296 mil votos de diferença sobre Marcondes Gadelha, quase 300 mil votos de vantagem. De forma colateral, Burity foi beneficiário, também, do Plano Cruzado, executado por Sarney na presidência da República e que funcionou pelo menos para aquela eleição.
“Se fosse candidato, eu teria ganho, ainda que por uma vantagem menor, por uns 100 mil votos de diferença”, especulou Humberto Lucena a jornalistas, um vez contados os votos. Tornou-se um prognóstico aleatório porque baseava-se em uma hipótese – a da candidatura ao governo, que Humberto não empalmou. Mas era crível, em face do mapeamento da conjuntura. Uma outra lição que ficou, bastante amarga, foi a de que atropelos e desunião constituem receita infalível para perder o pleito. O esquema braguista queimou José Carlos e lançou Marcondes em clima de acidentes e desvantagem perante Burity, o candidato que o PMDB adotou e que o levou ao poder depois de um jejum de tantos anos. Mais tarde, José Carlos foi suplente de senador de Ronaldo Cunha Lima. Assumiu a titularidade, fez discursos e ganhou em Brasília a alcunha de “senador Silva Júnior”. O enredo da traição para a disputa ao governo, todavia, nunca lhe saiu da memória.
Nonato Guedes