Sejamos sinceros: Paulo Maluf tem “ene” álibis ou justificativas capazes de pô-lo em liberdade a qualquer momento, tornando inviável a sentença do doutor Edson Fachin. Idade e problemas de saúde conspiram para premiar Maluf e livrá-lo de embaraços maiores na véspera do Natal. Há, porém, fatos que valem pela simbologia – como a iniciativa do próprio Maluf de se apresentar à Polícia Federal pronto para ser detido. Durante muito tempo, Paulo Salim Maluf debochou e desdenhou da Polícia e da Justiça. Escapou, incólume, a mandados de prisão e a caçadas organizadas até no exterior. Partiu para a chacota e a ironia quando afirmou, certa vez, que a fortuna ilícita amealhada fora herança da mãe.
A trajetória de Maluf no cenário político brasileiro deu origem a um neologismo de que se apropriaram jornalistas, adversários políticos e autoridades – o neologismo “malufar”, que significa roubar. Não por acaso ou coincidência a fauna política de São Paulo tem oferecido ao país exemplares asquerosos, especialistas na arte de assaltar o erário público para obter vantagens e proveito pessoal. Tivemos o Adhemar de Barros, sobre o qual cunhou-se o slogan “rouba mas faz”. Orestes Quércia não ficou atrás com um prontuário que suplantava, em muito, o curriculum da vida pública. Mas Maluf foi demais. Tornou-se o típico aproveitador finório do dinheiro público. E com uma capacidade invejável de safar-se das piores situações.
Inúmeras foram as vezes em que jornalistas prepararam-se para uma foto de Paulo Maluf algemado. Frustraram-se porque Salim sempre deu um jeito de fugir da cena e de ditar, ele mesmo, o enredo que lhe cabia. Maluf é um caso à parte na fenomenologia política brasileira. Execrado como um símbolo do Mal, tal como ficou exposto na disputa que travou com Tancredo Neves no colégio eleitoral indireto para a nomeação do último presidente da República biônico, Maluf praticou sem nenhum prurido a tautologia, definindo-se como um homem honesto. Um cara de pau, disseram todos. Disseram de Maluf o que poucos têm coragem de dizer do ex-presidente Lula quando sustenta que não sabia de mensalão, de petrolão, do tríplex no Guarujá, do sítio em Atibaia e, ultimamente, tal como revelou Palocci, do milhão de dólares repassado generosamente pelo ditador líbio Muamarr Kadaffi. Lula tem sido poupado ainda hoje por segmentos da mídia e parcelas influentes do eleitorado porque logrou virar teflon – nada que se diga contra ele tem o condão de alvejá-lo. É o santo do pau oco que vive do enredo do retirante que fugiu da seca no Nordeste e escapou da miséria em São Paulo, dando a volta por cima em grande estilo e sendo consagrado como o maior líder popular de todos os tempos.
Os mais detalhistas insistirão em que se lembre que Maluf e Lula estiveram juntos, abraçados e aliançados na campanha eleitoral que conduziu Fernando Haddad, do PT, a prefeito de São Paulo, na primeira disputa que Haddad teve, já que não foi reeleito, por óbvio. Na época em que Maluf e Lula apareceram sorridentes e abraçados nas fotografias, uma política digna, paraibana, Luíza Erundina, que foi prefeita de São Paulo eleita pelo PT torceu o nariz para Lula. Considerou que ele havia chegado ao extremo em termos de escrúpulos políticos ao aceitar aliançar-se com Paulo Maluf. Radicalismo de Erundina? O eleitorado respondeu na urna derrotando a chapa de Lula e Maluf.
Em seu artigo, hoje, na web, a comentarista Lilian Witte Fibe se expressou como quem estivesse diante de um fato extraordinário. “Eu precisava estar viva para assistir o que acompanho no noticiário: Maluf preso!”, exclamou a atilada repórter. Muitos terão sentido o mesmo estado de espírito. Não é nem contra Maluf – é porque se lutou muito pela simbologia que uma prisão sua, por tempo mínimo que fosse, representaria para a luta dos que têm sede de Justiça.Sim, podemos contar a netos e netas que podemos não ter alcançado a prisão de Al Capone,mas alcançamos a de Maluf. Isto não é muita coisa, não é quase nada. E é tudo, num País desafeito a mandar figurões para a cadeia e que ultimamente, graças à Lava-Jato, assimilou que ninguém está acima da Lei. Simples, em tese – não necessariamente no Brasil.
Nonato Guedes