Quando a saúde começou a falhar perto dos 80 anos, o escritor paraibano Ariano Suassuna (1927-2014) se apressou em finalizar aquele que pretendia que se tornasse o livro de seus livros, Romance de Dom Pantero no Palco dos Pecadores, agora lançado pela editora Nova Fronteira. Ele o escrevia, e desenhava, desde 1981, sempre insatisfeito com o resultado. Uma atividade cansativa, mas prazerosa. Meu pai era muito exigente como criador artístico e de uma disciplina rigorosa. Gostava mesmo era do exercício da escrita, diz o artista plástico Manuel Dantas Suassuna, um dos cinco filhos e herdeiros do escritor, além de parceiro literário.
Dizia que era o livro da vida dele. Finalizou-o poucos dias antes do seu Encantamento. Dantas conta que o pai consumiu os dias concluindo as ilustrações do romance. Chegou a inserir nele personagens de outros livros, para que todos os seus textos fizessem parte de uma espécie de obra total definitiva ou quase, já que isso só existe na mente do artista. Burilava o texto, incessantemente, diz o professor Carlos Newton Júnior, aluno e colaborador. Newton digitou no computador as últimas versões do livro. Se pudesse, Suassuna estaria até hoje reescrevendo o texto e preparando suas aulas-espetáculos. Porque a obra e o protagonista eram ele. Eis aí a mensagem do romance. Suassuna batizou o conjunto de suas obras de A Ilumiara. Conforme explica no início de Dom Pantero, a palavra designa uma suma criativa: Castelo. Obra. Fortaleza ou Marco. Sua Ilumiaracompreende três dezenas de livros, entre volumes de poesia, 15 peças de teatro e meia dúzia de romances. Muitos deles são inéditos e estão sendo organizados pelos herdeiros. Entre eles figuram os romances O Sedutor do Sertão, escrito em 1966, a ser lançado em 2018, e As infâncias de Quaderna, capítulo do nunca lançado terceiro volume do romance mais famoso de Suassuna, o inconcluso A Pedra do Reino (1971), que também refez até a morte- a última versão foi relançada em junho.
Desejava que Dom Pantero enfeixasse a sua produção integral e lhe desse coesão e coerência. O livro se divide em quatro cartas em que se misturam todos os gêneros, da poesia à crônica, chegando ao hipertexto digital. No livro, um QR Code remete o leitor a uma aula-espetáculo sobre seu tema favorito: cultura brasileira. A narrativa acompanha a história do escritor frustrado Dom Pantero, que planeja inutilmente terminar a Ilumiara. Diz Newton: É uma autobiografia poética. Vida e obra de Ariano estão lá, só que distorcidas. Os especialistas afirmam que o livro deve provocar um impacto nos estudos literários. Trata-se do romance nacional mais pós-moderno, afirma Newton. Nunca um autor brasileiro teve coragem de misturar tantos registros e embaralhar vida e sonho. Segundo o escritor Raimundo Carrero, a obra vai além de romances consagrados. Insere-se no quadro das obras essenciais da literatura brasileira, abrindo um novo caminho que supera, em muitos sentidos, Dom Casmurro, Grande Sertão, Veredas e até Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, que se apresentam como obras mágicas e proféticas da nossa literatura, afirma Carrero. Por isso, Dom Pantero se aproxima das obras dos grandes russos Tolstoi e Dostoievski, passa por Os Sertões, de Euclides da Cunha, e procura a transcendência de um Cervantes.
Luis Antonio Giron – Revista ISTOÉ