Agora em maio será celebrado o centenário de nascimento de um homem público digno, o ex-governador da Paraíba, Ivan Bichara Sobreira. Conquanto tenha ascendido ao Palácio da Redenção por via indireta, escolhido por um grupo restrito, nos estertores do regime militar instaurado em 64, o filho ilustre de Cajazeiras honrou as melhores tradições da vida pública estadual e empenhou-se o quanto pôde para levar a efeito uma gestão humanizadora, com reflexos sociais positivos e, por extensão, com reflexos econômicos colaterais. A postura ética que tentou imprimir à frente da administração poderia ser sintetizada na promoção do concurso público e, mais do que isso, na contratação ou aproveitamento dos que foram aprovados.
Data dessa sua passagem pelo governo do Estado a definição de Ivan como um político diferente, no sentido de que não encarnava o biotipo dos líderes tradicionais, versados na compra de votos ou na montagem de oligarquias que buscavam a perpetuação no cenário do poder. Evidente que a formação intelectual de Ivan, autor de romances e de outros livros especializados em radiografar personagens contemporâneos, muito contribuiu para a postura política sólida de rejeição a práticas viciadas. Dele se podia dizer ter o mais arraigado espírito público, e o discurso de posse que proferiu traduz a vontade de fazer mudanças, de ser arauto de transformações valiosas na vida do Estado. Foi, também, deputado estadual e deputado federal e ocupou a presidência da Caixa Econômica Federal, postos em que exteriorizou o seu compromisso com o bem público. Nem sempre levou adiante as intenções ou a vontade de fazer, apregoada geralmente em discursos as conjunturas o desviavam desse desideratum. Mas isto não deslustrava o perfil de Ivan Bichara Sobreira.
Tendo retornado à militância política por força da sua escolha para governador da Paraíba, intentou perseverar nela, tocado pela ingenuidade de que estava em curso uma transformação nos costumes. Foi quando se esparramou dolorosamente. Em 1978, desincompatibilizou-se da chefia do Poder Executivo para concorrer ao Senado. Acumulou, então, uma das maiores decepções da sua vida, ao ser cristianizado como candidato do partido, o PDS, sucedâneo da Arena, por dissidentes que formaram fileiras com o senador peemedebista Humberto Lucena, este, por sua vez, forrado com duas sublegendas relevantes, tituladas por Ary Ribeiro, que tinha base em Campina Grande e nas franjas do Compartimento da Borborema e João Bosco Braga Barreto, político populista de Cajazeiras, que encarnou sentimentos de protesto de um eleitorado exaurido com a ditadura militar. Individualmente, como consta do mapa do Tribunal Regional Eleitoral, Bichara bateu Humberto Lucena nas urnas. Foi mais votado que o histórico líder contestador do regime no Congresso Nacional. Mas a soma das sublegendas desequilibrou o páreo. Em paralelo, Ivan foi o repositório de frustrações e queixas de lideranças políticas que compunham o chamado esquema governista. Em contrapartida, Humberto tornou-se o desaguadouro, o instrumento das insatisfações generalizadas dos recalcitrantes do chamado sistema.
Ivan não aceitou o papel que lhe conferiram. E daí em diante foi perdendo o resto de esperança que ainda teimava em alimentar quanto à renovação de costumes políticos e, sobretudo, quanto à fidelidade de palavras e compromissos. Voltou-se para as coisas do espírito, para as leituras, como um refrigério a fim de compensar o desencanto. Sem demérito de Humberto Lucena, figura de expressão ímpar na política estadual, que por duas vezes presidiu o Senado Federal, a derrota de Ivan Bichara foi uma perda para a Paraíba, principalmente porque fê-lo abandonar a vida pública, onde ainda tinha muito a oferecer. As homenagens de agora, ainda que tardias, resgatam o significado da singeleza e ao mesmo tempo da densidade do político Ivan Bichara Sobreira.
Nonato Guedes